No último domingo (20/09), Flavia Lima, ombudsman da Folha de S.Paulo escreveu em sua coluna que os tijolos de anúncios localizados no fim das reportagens têm mexido com o humor dos leitores. Anúncio disfarçado de conteúdo jornalístico pode enganar o leitor, promover o sensacionalismo e a desinformação, ainda mais numa época em que o tempo se tornou uma mercadoria entre tantas outras, a clareza entre o que é notícia e anúncio evita a confusão e otimiza o tempo das pessoas. A jornalista Sally Lehrman, criadora do Trust Project advoga que para distinguir notícia de outros tipos de conteúdo as seguintes perguntas devem ser feitas: “isso é patrocinado ou é uma propaganda? O propósito está claramente indicado?”. O Trust Project — consórcio internacional com mais de 200 veículos parceiros, visa ajudar as pessoas a avaliar a integridade das notícias.
O maiô com filtro UV 50+, o carro mais aguardado do ano ou o vídeo de uma personalidade influente são alguns dos anúncios presentes em todos os espaços do jornal, interrompem o fluxo de leitura e ao longo do conteúdo ficam ainda mais atraentes ofuscando a leitura da notícia sobre a pasta de Damares e as verbas de combate à violência contra a mulher, para citar um exemplo. Os anúncios são uma forma de publicidade nativa para as organizações de notícias em plataformas digitais.
Normalmente está indicado sob um rótulo como “publicidade” ou “conteúdo patrocinado”, esses anúncios fornecem uma parte da receita necessária para a sustentação dos veículos. Os tijolinhos de anúncios não estão apenas no final das reportagens, mas em toda parte dos conteúdos da Folha de S.Paulo, inclusive a ombudsman do jornal destaca que, “muitas vezes o anúncio patrocinado aparece dentro de um conjunto com reportagens do jornal com uma chamada: ‘recomendados para você’. Um leitor pede o banimento dos anúncios, outra leitora declara que de tão ruins que são jamais estampariam as manchetes do jornal impresso.
Na tentativa de equilibrar RPM (receitas por mil impressões), a experiência do usuário e o conteúdo patrocinado, os publishers faturam com propaganda muitas vezes enganosa. O site jornalístico The Intercept Brasil foi bem incisivo ao revelar como Folha e O Globo faturam com propaganda enganosa disfarçada de notícia. A reportagem mostra como leitores destes veículos considerados sérios estão “a um clique de consumir fake news”. A estratégia mercadológica dos anúncios clickbait foi comentário da Lívia Vieira no site do objETHOS aqui.
Anúncios nativos éticos devem ser rotulados de forma clara, assim os leitores podem identificar que estão lendo mensagens comerciais. A prática da publicidade nativa deve prezar pela transparência de divulgação com visibilidade suficiente para não confundir o leitor. De fato, é crucial que as empresas de mídia encontrem formas de sustentação e autonomia no mercado. Contudo, o destaque nesse comentário é outro: a Folha integra o Trust Project e aqui no Brasil, o consórcio está representado pelo Projeto Credibilidade. Distinguir humor, análise, opinião e publicidade (conteúdo patrocinado) de notícias e reportagens é o terceiro indicador de credibilidade entre outros sete recomendados pelo projeto. A diretriz desse indicador enfatiza o uso de etiquetas para diferenciar conteúdo noticioso — em texto, áudio, vídeo e outros formatos — de análise, opinião ou outros gêneros em cada artigo publicado.
Conforme consta no próprio site do Credibilidade, “o mau jornalismo”, entre outros fatores, é evidenciado na ausência de sinalização para o conteúdo noticioso. E enfatiza uma observação de Michael Schudson sobre a escassez de recursos econômicos das organizações de notícias ao ponto de levá-las a “preferir os cliques à consciência”.
Os princípios editoriais da Folha de S.Paulo
No item 9 dos princípios editoriais do jornal está escrito que: “preservar o vigor financeiro da empresa como esteio da independência editorial e garantir que a produção jornalística tenha autonomia em relação a interesses de anunciantes; assegurar, na publicação, características que permitam discernir entre conteúdo jornalístico e publicitário”.
Como o próprio veículo declara, sua audiência online mede-se em dezenas de milhões de visitantes ao mês, o que torna a questão ainda mais preocupante. Pode ser que essa audiência esteja interpretando os anúncios como conteúdo jornalístico. No site do jornal, as etiquetas de identificação para esse tipo de conteúdo são quase imperceptíveis, as manchetes e layout dos anúncios ofuscam as notícias, ao invés de clareza e transparência, o jornal entrega confusão.
Apesar da ombudsman da Folha reproduzir em seu comentário a crítica de mais uma leitora sobre a “obrigação do jornal em informar se uma notícia é notícia mesmo”, não faz nenhuma menção ao fato do jornal integrar o Trust Project tampouco observa seu comprometimento com padrões de transparência.
Um estudo publicado nessa edição de American Behavioral Scientist descobriu que a publicidade nativa engana os leitores e os jornalistas sabem disso, o que vai na contramão de seus próprios princípios para ganhar a confiança de suas audiências.
Por fim, a proposta do Trust Project é ganhar a confiança das pessoas adotando padrões de transparência para ajudá-las a saber quem e o que está por trás de uma notícia. No site do projeto consta que: “o jornalismo de princípios deve dar um passo à frente e ganhar a confiança do público”. Ao que parece, a Folha de S.Paulo estará a um passo de confundir seus leitores se não encontrar formas eficazes para sinalizar seus conteúdos e, ainda, pode negligenciar o compromisso assumido com as diretrizes do Trust.
Publicado originalmente por objETHOS.
***
Denise Becker é mestranda em jornalismo (PPGJOR/UFSC) e pesquisadora do objETHOS.