Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Fora , mídia

NOVA YORK – Uma situação extrema atrai atenção global, como os ataques terroristas em Paris, na sexta-feira, dia 13. O cacoete de jornalista leva o melhor de mim e me ponho a tuitar o drama em curso. A maioria dos internautas seguidores acompanha e contribui com links. Mas há os trombadinhas inevitáveis que surfam a internet como bedéis das escolas de antanho. Estão alertas para apontar e punir indisciplina, neste caso, qualquer cachorro que não se conforme em ser sacudido pela cauda.

Em meio ao suspense aterrador numa das principais capitais europeias, com centenas de vítimas e consequências desconhecidas, o primeiro reflexo de certos internautas é concluir sem fatos, decidir que a fonte da notícia, esta colunista, só consegue cobrir uma tragédia impedida por miopia ideológica. Um bom termômetro deste extremismo de poltrona é o fato de ser acusada, num espaço de minutos, de ser esquerdista e conservadora.

Acharam um passaporte de refugiado sírio? Cerquem a Europa como um castelo medieval. Ou: Por que Estado Islâmico chegou à Europa? Culpa de Barack Obama. A especulação vazia e despregada da realidade não tem fim. São como crianças pedindo aos pais, por mais um ano, para assegurar que Papai Noel existe.

Este embotamento hoje tem um ingrediente necessário: o ódio à imprensa. Não há risada mais barata em comício de candidato do que ridicularizar a mídia. Sarah Palin, aquele portento, fez grande sucesso com o trocadilho “lamestream media” (coxo + mainstream) – em referência ao que hoje citam apenas pelas iniciais “msm” de mainstream media, ou seja, a mídia privada, como o New York Times, ou pública, como a rede PBS, que tem em comum o pedigree jornalístico.

Xingar jornalista é o novo normal, requisito de todo populista que se preze. Lula sabe disso, quando se refere à revista The Economist como se fosse uma força paramilitar da classe privilegiada à qual ele finge não pertencer. Ou quando alertou, em recente arroubo caudilhesco, o público para ignorar as “bobagens da mídia”.

Se nosso ofício é atacado dos dois flancos políticos, é sinal de que cumprimos nosso papel profissional? Não é tão simples como o mundo que habita a imaginação do bedel digital.

Uma origem recente do ressentimento contra o jornalismo é a percepção de conservadores norte-americanos de que a mídia é dominada por profissionais à esquerda do centro. “Vocês não terão Nixon para chutar mais”, disse o ex-presidente, antes de renunciar, em 1974, sob o peso do escândalo Watergate, revelado pelo Washington Post.

É fato que a credibilidade da mídia nos Estados Unidos vem caindo, ainda que mais acentuadamente entre republicanos do que democratas. Mas o clima de deflagração entre políticos, jornalistas e o público é indissociável da revolução digital. O fechamento de jornais e revistas, os orçamentos magros que diminuíram a cobertura investigativa e a tirania dos cliques, diante do colapso da receita publicitária, tudo isso erodiu a autoridade e o poder do jornalismo.

Questionar a complacência da mídia é tão necessário quanto defender o jornalismo como parte integral da democracia. Na semana passada, um incidente feio na Universidade do Missouri ilustrou isso. Uma professora de Comunicação foi gravada tentando expulsar um fotógrafo de uma manifestação contra o racismo no câmpus da escola que é pública. Os estudantes reivindicavam um “espaço de segurança” sem jornalistas.

Seguiu-se um escândalo e a professora perdeu o cargo. Mas outro jornalista negro argumentou que o momento de tensão ia além de simples violação da liberdade de expressão. Estudantes negros estão cansados de serem reduzidos a clichês por uma mídia predominante branca e queriam usar os próprios meios na rede social para controlar a mensagem do protesto. Não devem expulsar jornalista algum, mas sua indignação é notícia. E foi, em ótimas matérias no Washington Post e na rádio pública.

O jornalismo independente é a pior forma de comunicação. Com exceção de todas as outras.