Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Fracasso em Copenhague

A mídia confunde o distinto público com o noticiário em torno da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP 15, realizada em Copenhague, capital da Dinamarca, na semana passada. Deu destaque ao retumbante fracasso do encontro, informando que nações poderosas, como os EUA, a China e a Índia, não foram convencidas do perigo que representa a emissão de gases industriais para o aquecimento global. Se subir mais 1,5%, nações como as Ilhas Maldivas poderão desaparecer, alertou seu presidente, Mohamed Nasheed.

Talvez a conferência devesse ter sido realizada no meio do deserto do Saara, mas durante o dia, quando o calor pode beirar os 50 graus. Daí talvez fosse mais fácil convencer os recalcitrantes de que o mundo está realmente esquentando.

Ocorre que, simultaneamente à COP 15, o inverno chegava ao hemisfério norte com sua força habitual, trazendo nevascas e tempestades, fechando aeroportos e matando dezenas de pessoas. Em alguns países, o frio chegou a trinta graus negativos. No fim de semana, milhares de pessoas, impedidas de fazer a travessia do Canal da Mancha pelos famosos trens do Eurotúnel, ficaram bloqueadas nos dois lados e 2.000 passageiros passaram a dormir no túnel.

O leitor quer explicações, mas a mídia as sonega. Editores, repórteres e comentaristas parecem mais um exército encarregado de anunciar o Dilúvio, o Apocalipse ou algo ainda mais assombroso, se o homem não parar de ofender a Natureza. Naturalmente, faz alguns anos que a mídia já escolheu os culpados e, como de costume, já os condenou, agora não mais no varejo dos cidadãos, mas no atacado das nações em que se encontram.

As siglas dos novos vilões

Enquanto EUA e parte da Europa poluíam a Terra, consumindo dezenas de vezes mais do que precisavam, tudo ia bem. Mas agora, depois que chegaram à festa milhões que não haviam sido convidados, por cuja presença os antigos convivas jamais esperaram, eis que lhes cabe, com os poderosos tentáculos que, como polvos, têm sobre a mídia de todo o mundo, denunciar o perigo, assim resumido: é preciso contê-los, pois estão causando o aquecimento global.

Na era da esperteza, tornou-se freqüente um novo recurso militante: a invasão da mídia com meias verdades, quando não com mentiras deslavadas e todo tipo de desinformações, enganos, falsas denúncias etc. O arsenal é criativo e não faltam novos espertos que, muito bem pagos, resolvem alistar-se em tropas mercenárias. A coisa vem de longe e faz percursos insólitos. Já há latifundiários faturando no Brasil algo como R$ 7 mil mensais para simplesmente não fazer nada com as matas de suas propriedades. E por quê? Ora, é parte da cruzada contra o aquecimento global.

Os novos vilões do aquecimento vivem em nações que estão dando o que pensar aos EUA e parte da Europa. Primeiro, ficaram de olho no grupo de nações abrigadas na sigla Bric (Brasil, Rússia, Índia, China). Mas, criativos como eles só, a partir da COP 15 os inimigos foram reunidos sob outra sigla: Basic (Brasil, África do Sul, Índia e China).

Os hereges do clima

Eis uma sugestão de leitura para que essas mitologias sejam entendidas à luz de dois textos fundadores. Um é o Dilúvio, no Gênesis; outro é a destruição da Terra, no Apocalipse. No primeiro, toda a vida sucumbe à violência das águas menos Noé, sua família e os casais que levou de cada espécie na Arca. No segundo, ninguém se salva, a não ser depois de mortos, quando os justos serão conduzidos ao Céu, e os maus ao Inferno.

Céu e Inferno são impossíveis aqui na Terra, onde tudo é imperfeito, mas convém desconfiar dos alarmes do aquecimento. Em nome de quem são feitos e por que justamente agora? A mídia precisa, ao menos por recurso de persuasão, dar espaço também aos hereges do clima, pois muitas vezes foram eles que nos salvaram dos terríveis males da ortodoxia, na religião como na ciência.

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Escritor, doutor em Letras pela USP e professor da Universidade Estácio de Sá, onde é coordenador de Letras e de teleaulas de Língua Portuguesa; seus livros mais recentes são o romance Goethe e Barrabás e A Língua Nossa de Cada Dia (ambos da Editora Novo Século)