Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Frustradas, revistas ficam sem a foto de Lula preso em suas capas

Texto publicado originalmente pelo objETHOS.

O que resta de uma história quando todos os recursos para manter a atenção foram desperdiçados? O que sobra de uma narrativa quando seu ápice chega, mas o suspense se esticou tanto que se esgarçou? O resultado são ecos, gritos dispersos, fragmentos de uma trama cujo arremate não foi nem sombra do que se prometeu até então. Fica o anticlímax, a frustração, o enfado. É isso que se pode conferir nas capas das principais revistas semanais de informação do país neste final de semana, logo após a decisão que sacramentou o destino do ex-presidente Luis Inacio Lula da Silva.

Condenado em duas instâncias judiciais, com negativas de habeas corpus e outros recursos e apelações, o fim da história seria a prisão, o início do cumprimento de uma pena de doze anos e um mês. Popular, controverso, carismático, falastrão, contraditório, amado e odiado, Lula é o maior personagem político do Brasil desde Getúlio Vargas. Sua origem e trajetória pessoal são lembradas e enaltecidas por jornalistas, especialistas e historiadores dentro e fora do país. Nada na vida dele parece ser comum, tudo parece ser superlativo ou extraordinário. É desses que transcendem fronteiras, confundem sentimentos, abalam estruturas e desafiam quem se destina a escolher palavras para descrevê-los.

Isto É, Veja e Época acompanham o personagem Lula há décadas e a julgar por algumas das capas nos últimos anos, poderíamos esperar uma carnificina midiática nas bancas neste final de semana. Após a derrota no Supremo Tribunal Federal e um ágil mandado de prisão expedido, todas as cabeças se voltaram para os relógios numa contagem regressiva que apontava para um lance espetacular às 17 horas da sexta, 6 de abril. Quando o ex-presidente vai ser preso? Onde? Como? Teremos imagens? Será ao vivo? Vai ter streaming nas redes sociais? Como se sabe, Lula não aceitou a deferência do juiz da 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba, frustrando muita gente, inclusive jornalistas que fechariam as edições das revistas semanais. Sem fotos do ex-presidente se apresentando aos policiais federais, sem imagens que poderiam ser exploradas para humilhar Lula e saciar a malta raivosa que pede sua cabeça, as revistas tiveram que apelar a outros recursos gráficos. Veja veio com uma edição especial sem chamada de texto e com um desenho mostrando o rosto de Lula atrás de grades. Isto É aplicou uma sombra do ex-presidente atrás de grades e a chamada: “Lula Preso — Tremei, políticos corruptos, a sua hora também vai chegar. A esperança venceu a corrupção e, agora, a sociedade espera que Lula puxe a fila dos poderosos condenados à cadeia”. Época apontou os holofotes para o caso Marielle Franco e não trouxe nenhuma palavra sobre Lula…

A erosão do mito em Veja

Uma rápida olhada nas capas de Veja e Isto É mostra como Lula foi do céu ao inferno em poucos anos. Em 29 de outubro de 2014, Veja veio com uma capa em fundo preto mesclando os rostos de Dilma Rousseff e Lula da Silva e a chamada “Eles sabiam de tudo”. Em 29 de julho de 2015, a revista decretava: “A vez dele”. Em 9 de março de 2016, a mesma publicação trouxe “Lula e a Lei”, com o depoimento a partir de sua condução coercitiva. Na semana seguinte, 16 de março, vestiu a cabeça do ex-presidente com serpentes em alusão típica à mitológica Medusa sobre o título “O desespero da jararaca”. Em 21 de setembro do mesmo ano, a cabeça de Lula virou polêmica capa de Veja, agora derretendo e praticamente decepada. Na edição de 26 de abril de 2017, uma foto do político aparece rasgada com um lacônico “Acabou”. Em 19 de julho, Lula aparece preocupado, sustentando o rosto, carimbado com “Culpado”. Em 24 de janeiro deste ano, a revista reúne na capa o ex-presidente e seus algozes do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e a chamada “Lula a um passo do abismo”. Uma semana depois, Veja une duas fotos e força a comparação histórica: Lula, fichado pelo DOPS em 1980, e ele, na atualidade, com uma placa de condenado. “O que falta para Lula ser preso”, promete a revista.

Com uma narrativa como essa, o desfecho natural seria colocar-lhe algemas, vesti-lo com uniforme de presidiário e trancafiá-lo numa jaula. Era o esperado para este final de semana, mas não deu…

De Homem do Ano a sabotador do Brasil

Nas capas de Isto É, a trajetória vitoriosa de Lula despenca em poucos anos. Se na edição de 9 de dezembro de 2009, ele era “o brasileiro do ano” e se em 15 de fevereiro de 2012 era um “mito que se renova”, em 29 de abril de 2016, o ex-presidente e Dilma Rousseff foram tachados de “sabotadores do Brasil”. O “Crepúsculo do Lulismo” foi vaticinado em 15 de abril de 2015, e o “cerco a Lula” em 9 de setembro de 2016. Em 12 de maio de 2017, Isto É afirmaria que o político “Não é inocente”, e em 23 de junho do mesmo ano, faria clara alusão ao Poderoso Chefão dos cinemas com a chamada “A hora da condenação de Lula”. Em 14 de julho de 2017, Isto É perguntou: “Você votaria em um condenado para presidente?” Na edição de 19 de janeiro de 2018 ainda estava em dúvida: “Por que ninguém consegue prendê-lo?” E uma semana depois, tinha todas as certezas do mundo e decretaria: “O cara acabou!”.

Mais uma vez, pode se ver que os narradores foram alimentando uma história de deterioração rápida de um personagem, transformando o herói num monstro, tornando o símbolo de esperança numa figura abjeta, repugnante, cujo desfecho só pode ser um: sua ruína. Era o resultado esperado, imaginado, trabalhado nas capas da revista Isto É. A fotografia do mito algemado e abatido, que poderia colocar um ponto final em sua biografia, não veio…

Essa apoteose foi frustrada porque Lula não executou os movimentos esperados, impondo um novo roteiro às autoridades policiais, à mídia e ao Brasil. Sua presença no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo atraiu uma multidão, dificultando o acesso da polícia e de jornalistas, e vários meios de comunicação recorreram a helicópteros para captar imagens. A negociação para sua entrega fez com que as redações tivessem que reprogramar suas edições (o que é comum no jornalismo), mas também gerou episódios inusitados como a transmissão em tempo real de uma missa-comício e uma explosão na audiência de canais alternativos como Mídia Ninja e TVT, emissora ligada à CUT, desconhecida da maioria do público. Mais uma vez, Lula não só dominou o noticiário, como o pautou, desarmando as certezas dos analistas que se escandalizavam com a insurgência do político. Emissoras tiveram que recorrer a drones e a poderosa Globo reproduziu imagens da TVT. Ao mesmo tempo, as redes sociais faziam circular imagens épicas de Lula cercado por populares, sendo carregado por mãos anônimas, abastecendo a elétrica e caótica indústria de memes.

Contrariando a lógica, uma das imagens que mais circulou no sábado não foi a da prisão de Lula, mas a dele cercado pela multidão numa espécie de abraço coletivo. O flagrante foi feito por um jovem fotógrafo, Francisco Proner Filho, e que saiu até no The Guardian. Uma iconografia muito diferente da esperada pelos narradores do cadafalso de Luis Inácio.

Na noite do sábado (7), após momentos de ansiedade e tensão, Lula cumpriu o mandado judicial. Helicópteros das emissoras de TV, do céu como abutres, seguiram o comboio, fazendo engolir em seco seus apoiadores e fazendo salivar os que rangiam os dentes.

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Rogério Christofoletti é professor de jornalismo na UFSC e pesquisador do objETHOS.