Repórter não fala, escreve. A não ser que seja rádio-repórter, tele-repórter ou que esteja voltando da rua e precise vender o seu ‘peixe’ para o chefe. Neste caso deve falar pelos cotovelos, porque naquele momento outros 38 repórteres estão tentando fazer a mesma coisa para conseguir mais duas colunas na edição do dia seguinte. Gay Talese está falando para a imprensa brasileira desde meados de Maio quando se dispôs a promover o seu livro (Vida de Escritor, Cia. das Letras, 509 pp.). Dois meses de falação ininterrupta em que a sua porção italiana impôs-se à elegante discrição nova-iorquina. Em Manhattan, concedeu pelo menos três imensas ‘exclusivas’ para nossos jornalões e quando chegou a Paraty entregou-se integralmente ao espírito festeiro local. A idolatria que provocou nos nativos tem um único culpado: o seu charme. A coletânea das entrevistas e depoimentos da temporada brasileira daria um livro alentado. Com as inevitáveis contradições e escorregões produzidos pela quantidade das entrevistas. Atribuir a atual obsessão por fofocas à invasão das redações pelas mulheres não é politicamente incorreto – é uma besteira. Fruto certamente do cansaço diante do microfone estendido por uma entrevistadora opaca, sem curiosidade, incapaz de manter um diálogo minimamente socrático. Fim do lead Outro livro, este engraçadíssimo, poderia ser editado com os comentários dos novos filósofos do jornalismo que com ele beberam, comeram ou dividiram o pódio nos eventos. Atribuir a Talese o mérito de ter acabado com o lead tradicional é desconhecer a história do processo jornalístico e a engenharia da criatividade. O que posteriormente foi designado como new journalism foi uma manifestação horizontal, coletiva e simultânea, típica das sociedades abertas e cultas. O bom jornalismo é necessariamente experimental, novo. A folha em branco – ou o equivalente digital – pode ser convencional ou revolucionária, independente da informação que contém. O repórter não é um burocrata, está sempre em busca de uma forma diferenciada para contar a sua história. Euclides da Cunha cobriu Canudos no fim do século 19 com relatos épico-científicos incomuns. O austríaco Joseph Roth, nos anos 20 do século 20, antecipou o cheiro dos porões onde fermentava a catástrofe da 2ª Guerra Mundial, o seu ‘jornalismo literário’ desembocou naturalmente na literatura. Como o do polonês Riszard Kapucinski, recentemente falecido. O esquema narrativo baseado no lead factual foi introduzido por Pompeu de Souza no Diário Carioca em 1952, logo transferido para a Tribuna da Imprensa e o Jornal do Brasil (1956). Mas naquele momento, nas revistas Manchete, O Cruzeiro e Visão, uma nova geração de jornalistas, sem compromissos com cânones e modelos, experimentava um novo estilo narrativo com toques de Hemingway e Graciliano Ramos. Talese trabalhou dez anos na redação do New York Times, como staff writer, redator, mas começou a destacar-se nos textos que produzia para a Esquire e New Yorker. O perfil que o celebrizou foi o de Frank Sinatra, que recusou recebê-lo porque estava doente. ‘Frank Sinatra está gripado’ (Frank Sinatra has a cold) foi o esplêndido título que arranjou para o texto. Ninguém ousaria sugerir que Talese falasse menos. Seria melhor para todos – sobretudo para as suas cordas vocais – pinçar em sua magistral biografia do New York Times as sábias avaliações sobre o velho e eterno jornalismo: ‘Um jornalista, às vezes, pode assumir erroneamente que o seu charme e não a sua utilidade o fazem merecedor de [certos] privilégios; a maioria dos jornalistas é constituída por gente realista que não se deixa enganar por este jogo’ (The Kingdom and the Power, 1ª edição.