Um exemplo para a grande mídia seguir adiante em busca de conquista ampla de leitores e leitoras, de modo a evoluir o processo democrático, ao mesmo tempo em que aumenta o poder de si mesma, é mirar-se no exemplo que acaba de rolar nas eleições primárias na Argentina. Quem acompanha no dia a dia o noticiário dos jornais mais importantes do país, com destaque para o Clarín e La Nacion, diz Manoel Jorquera em Página 12, conclui, equivocadamente, que o governo de Cristina Kirchner se encontrava tão distante dos interesses da sociedade que uma derrota eleitoral já estaria escrita nas estrelas.
Veio o resultado das prévias eleitorais abertas, nacionais e simultâneas – uma revolução democrática pacífica que dá dimensão extraordinária ao processo político sul-americano – e o que se verificou foi justamente o contrário: a presidente faturou alto e a proposta de reforma política, expressa na nova experiência, representou sucesso absoluto. Ou seja, a mídia mentiu o tempo todo, criando um cenário subjetivo, completamente distante da realidade da população. Como, nesse sentido, a grande mídia poderá avançar sustentavelmente num tempo em que as informações mais autênticas se constroem nas relações estabelecidas pelos novos mecanismos de comunicação, como as redes sociais pela internet?
O fiasco midiático argentino produzido pela grande imprensa confirma que a sociedade se distancia dela porque não respeita a sociedade. Se respeitasse, produziria um jornalismo honesto, pautando as notícias na mais absoluta seriedade, calcadas em informações fidedignas que alimentariam previsões minimamente confiáveis. Como isso não ocorre presentemente nos grandes jornais sul-americanos, comprometidos com os interesses, especialmente, financeiros, que asseguram a sua sobrevivência econômica, o descrédito popular é a fatura que a sociedade paga aos veículos de comunicação distantes das necessidades dela, mas bem perto do ponto de vista de classe a que pertence, ou seja, os ricos e poderosos.
Por que dar crédito aos que tentam mentir?
Está colocado pelo novo processo político posto em marcha na América do Sul, na Argentina, o desafio para a grande mídia conquistar novos e novas leitoras: mentindo, como está, apenas compra a sua própria decadência. Se mudarem o comportamento, fazendo com que o jornalismo seja a expressão da verdade e do interesse maior da sociedade para obter informações honestas e isentas, de modo a permitir que a conclusão dos fatos seja alcançada pelos próprios leitores, respeitando a inteligência deles, poderão os grandes jornais ter futuro. Caso contrário, tendem a dançar por meio da queda da circulação e da leitura.
Haverá, realmente, mudança nesse sentido?
Difícil, pois os grandes veículos estão umbilicalmente ligados com os interesses do capital financeiro. Tais interesses, por exemplo, na Argentina – e por que não dizer no Brasil, também? –, tentaram, de todas as formas, minimizar a importância histórica das eleições primárias. Ora, se a comunidade, bem informada pelas suas próprias ações veiculadas nas novas mídias alternativas, pode escolher livremente em prévias eleitorais as candidaturas que poderão/deverão ser sufragadas nas eleições, por que darão crédito aos que tentam mentir com informações truncadas sobre a realidade que a própria população está vivendo?
Sistema político libertário
O novo processo político argentino, que teve muito pouca divulgação na grande mídia brasileira, não interessa, evidentemente, aos seus anunciantes porque as escolhas da comunidade, que serão representantes dela na estrutura do poder, diferem daquelas escolhas produzidas pelo processo eleitoral viciado pelos financiamentos milionários das campanhas e dos caixas dois eleitorais corruptos.
Os escolhidos por esse método, naturalmente, ocuparão a máquina governamental para atender não aos interesses da comunidade, mas, claro, daqueles que põem dinheiro em suas campanhas. Assim, não é a estrutura do poder que está viciada, como se ela fosse dirigida por si mesma, mas, ao contrário, o vício se produz no método de escolha daqueles que irão comandá-la. A discussão dessa conjuntura, ou seja, o método de financiamento, pelos grandes bancos e pelos grandes empresários, que coloca no poder quem prestará serviço, justamente para esses grandes bancos e essas grandes empresas, nas licitações governamentais, passíveis de vícios endêmicos, não interessa ao poder midiático, para ir fundo no problema.
Por isso, ele não se interessou pela novidade revolucionária que constitui o sistema político libertário que se inaugura na Argentina.
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[César Fonseca é jornalista, Brasília, DF]