Há uma crise nos negócios de jornalismo em todo o mundo. E os mais destacados profissionais do setor não têm a mais remota idéia de como será o futuro. Já tem sido bastante comentado o fato de que, após todos esses anos de debate desde 1993, quando foi inventado o programa que permitiu editar conteúdo jornalístico na internet, ninguém sabe exatamente para onde vai a imprensa. Sabe-se apenas que os leitores estão migrando para os novos meios eletrônicos, preferindo informar-se pela internet ou usando aparelhos móveis.
Recentemente, personalidades dos mais respeitados veículos dos Estados Unidos, como Louis Gordon Crovitz, publisher de The Wall Street Journal, Donald Graham, presidente do Washington Post, e o principal executivo do grupo Mc Clatchy, Gary Pruitt, simplesmente bateram cabeça e não souberam mostrar qualquer coerência entre suas estratégias, durante a conferência de editores que acontece anualmente em Nova York.
Pruitt, cuja empresa ganhou manchetes e reputação, dez anos atrás, ao adquirir alguns dos mais reluzentes pioneiros do jornalismo online, manteve o otimismo mas não foi capaz de oferecer uma pista sobre o futuro dos jornais. ‘Existem hoje mais pessoas procurando o que produzimos do que ontem, e isso não é um perfil de um setor moribundo’, afirmou, segundo a cobertura do New York Times – sem, no entanto, dizer para onde pretende conduzir sua empresa, que vem sendo afetada pela queda nos valores de publicidade.
Segundo o New York Times – e de acordo com relatos do blog de editores da Associação Mundial de Jornais –, nem Pruitt nem qualquer um dos mais reputados dirigentes de empresas de jornalismo apresentou qualquer pista de como sair do atoleiro. E, de fato, não há uma resposta conclusiva dentro dos padrões convencionais.
Novos anabolizantes
Desde a criação do Mosaic, o primeiro browser – conjunto de programas que permite navegar por páginas gráficas na internet –, a mídia impressa vem tentando utilizar o novo meio como instrumento para conquistar e reter leitores. Mas, a despeito de um início promissor, todas as tentativas de conduzir leitores para jornais e revistas através da web têm falhado. O número de leitores da mídia impressa decresce anualmente, e cai também a receita dos anúncios – embora não na mesma proporção. As grandes editoras vivem de renovar títulos, perseguindo segmentos promissores por períodos curtos, o que complica o planejamento de longo prazo e tende a enlouquecer os jornalistas.
Quem tem acompanhado os debates dos editores que se reúnem em Nova York, nos últimos anos, tem a impressão de estar no Palácio de Versailles em julho de 1789, às vésperas da queda da Bastilha, ou cem anos depois, no baile da Ilha Fiscal, a última festa do imperador D. Pedro II antes da proclamação da República. As apresentações dos cases levados pelos editores costumavam falar, quase invariavelmente, em ‘estratégias inovadoras’, ‘soluções de ponta’, ‘estado da arte em marketing’ e outras fantasias para táticas mais ou menos pontuais e obsoletas. Todas elas fracassadas, como sabemos agora.
A reunião dos editores em dezembro foi marcada pelo reconhecimento de que os anacronismos da mídia impressa – do corte de árvores à entrega de um produto (por um processo complicado de logística) cujo valor é pouco percebido por um número suficiente de pessoas – não são recicláveis e renováveis. ‘Os jornais precisam de uma saída iPod’, já dizia um artigo publicado pelo New York Times em 2005. O problema é que, aparentemente, nem mesmo o NYTimes entende o que seria uma saída ‘móvel, portátil, renovável e desfrutável’, ou um formato de jornal realmente prazeroso.
Para se ter uma idéia da distância entre o problema e possíveis soluções, basta observar que a maioria das novidades apresentadas nas últimas reuniões dos caciques da grande imprensa americana era adaptada de outros setores ou do varejo. Nada muito mais original do que a antiga prática dos brindes para a venda de assinaturas, os chamados anabolizantes de circulação, que inflaram as tiragens dos diários nos anos 1990. Sem sustentabilidade.
Resposta honesta
Sustentabilidade, aliás, é a palavra mágica do momento. Velhas receitas que não deram certo na era vitoriana voltam pela boca dos novos gurus da gestão, e novamente os jornais abrigam em seus orçamentos os salvadores da pátria e suas malas de bugigangas ‘sustentáveis’. O que ninguém questiona, e que talvez esteja no centro da crise, é o modelo de negócio. É bem possível – e, se os dirigentes dos principais jornais americanos não sabem, não é um observador periférico da imprensa que vai afirmar –, mas é bem possível que, no tempo do iPod e do celular com internet em banda larga, já não faça sentido um veículo de comunicação cujas notícias giram em torno de uma só opinião.
É muito provável, sim, que estejamos vivendo um momento de convergência, em que aos meios mais diversificados de comunicação se deva associar um conteúdo mais diversificado em termos de visão de mundo. Melhor falando, é sensato dizer que, se os meios se diversificam, se o cidadão agora pode se informar por outros e diversos meios, esse cidadão estará sendo exposto a uma variedade maior de pontos de vista, e provavelmente estará valorizando a diversidade e desprezando os centralismos e as idéias estagnadas.
Habituados a ditar a verdade ao mundo, os jornais talvez estejam com dificuldade para retratar a múltiplas realidades que a nova complexidade planetária nos expõe diariamente. Aliás, nos debates dos editores que sempre formaram a opinião do mundo, algumas semanas atrás, houve poucas afirmações. Apenas Donald Graham, do Washington Post, teve coragem de se aproximar da verdade. Quando questionado sobre o que fazer para reverter o atual quadro de pessimismo quanto ao futuro do jornalismo impresso, ele foi direto: ‘A única resposta honesta é: não sei’.
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Jornalista