Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Guálter George

‘A leitura particular que O Povo fez da resolução do diretório nacional do PT do domingo passado, quanto à disputa em Fortaleza, gerou reações de leitores, aparentemente simpáticos à pré-candidatura da deputada estadual Luizianne Lins. Mensagens eletrônicas chegadas à caixa de e-mail do ombudsman, algumas ligações atendidas ao longo da semana e uma carta de leitor publicada pelo jornal na edição de quinta-feira, dia 22, manifestavam uma estranheza com a interpretação da editoria de Política ao documento petista, apontado pelo O Povo como indicador de uma orientação de apoio à candidatura de Inácio Arruda, do PCdoB, e, conseqüentemente, de isolamento de Luizianne. O fato merece uma análise mais cuidadosa, visto que se origina de um texto que parece ter sido preparado mesmo para gerar confusão, mais do que para clarear uma situação que tem-se apresentado nebulosa desde o seu nascedouro. O texto do comando nacional petista, portanto, veio mais para confundir do que para explicar. E, de fato, confundiu.

É livre a interpretação

O que diz a resolução? Sem citar o nome de Inácio Arruda, orienta o PT de Fortaleza a insistir no esforço de unir as forças de esquerda em torno de uma só candidatura. No exagero, seria possível dizer que o texto abre brecha para uma reunião das forças ditas progressistas em torno da própria Luizianne Lins. No entanto, num dos trechos da resolução consta, em português claro, que o PCdoB é o aliado preferencial na disputa da capital cearense. É neste ponto que concentrarei meu raio de interesse para análise, inclusive porque focado na abordagem jornalística e não no fato político em si. O Povo compreendeu que da forma como aparece no documento a agremiação comunista, que tem no seu deputado federal o nome preferido na intenção de voto dos fortalezenses, conforme aferem as pesquisas conhecidas e divulgadas, a direção nacional sugeriu apoio a Inácio e isolou Luizianne. É uma interpretação do que ali está, não o resultado do que textualmente foi ao papel. Da mesma lacuna de objetividade se utilizam os defensores do nome da parlamentar para reclamar que o jornal exagerou, foi além ao falar sobre o que não estava escrito. Nas entrelinhas, para quem quis enxergar, caso da editoria Política do O Povo , pode-se dizer que estava escrito.

Um direito utilizado no limite

Considero que o jornal fez uso de um direito que lhe cabe, o de interpretar, ao bancar, inclusive em manchete principal, que a resolução do PT representara, utilizando-me de uma expressão posta no texto da edição do dia 19 último, um ‘atestado de óbito’ para candidatura Luizianne Lins. Portanto, não exorbitou de um limite que, apenas, precisaria ser respeitado. É preciso considerar também declarações de líderes petistas nacionais e locais que caminham para a mesma linha de criar confusão, mais do que de esclarecer sobre o que pretende o PT, de fato, em relação a Fortaleza. O problema está na delicadeza que costuma permear o debate quando se trata de uma movimentação política, seja pela esquerda, direita ou centro. O jogo de especulação faz parte, parece intrínseco ao processo. Este episódio da resolução petista, isolado do cenário mais amplo que o envolve, até indica que o cuidado de separar a notícia do interesse específico foi contemplado. O problema é quando o observamos dentro de um contexto onde, ao invés de algo à parte, ele precisa ser posto como mais uma peça de um jogo que vem sendo jogado faz algum tempo, no qual nada pode ser isolado de nada. O que fica mais claro, com o episódio, é a necessidade que tem O Povo de redobrar seus cuidados em relação ao que acontece hoje na perspectiva de 3 de outubro próximo, especialmente quanto à disputa fortalezense.

As peças que são involuntárias

É comum nos comentários internos, por exemplo, apontar problemas localizados em notas de colunas que falam de insatisfações de cúpula com a insistência de Luizianne Lins em se candidatar, comportamento que sequer a vitória dela no diretório municipal, pelo voto, conseguiu cessar. Ao contrário, em certa medida, até se intensificou. Minha preocupação, independente de achar melhor esta ou aquela candidatura, este ou aquele partido, é com a possibilidade de estarmos sendo postos como peças involuntárias do tal jogo de interesses. Seria um contra-senso, acontecendo, já que o jornal tem-se cercado de cuidados internos para reforçar uma necessidade de afastamento de interesses localizados no processo eleitoral que se avizinha. Considero relevante colocar sob análise toda queixa que chega, incluindo, mais recentemente, estas de leitores que parecem insatisfeitos pela forma como o jornal noticiou a resolução petista e seus desdobramentos. Há necessidade de animar a discussão, de fazê-la permanente, a fim de que consigamos êxito no objetivo já traçado de apresentar uma cobertura isenta e neutra. Mesmo que com carga crítica na dose justa.

Um jornal de pai pra filha

O Jornal do Leitor tem sido, desde o começo de meu trabalho como ombudsman, um dos focos de preocupação nas críticas internas às edições de domingo. Primeiro pela sua importância, tratando-se de um produto ainda inédito no País, que apenas O Povo mantém disposição de preservar, muito em função do compromisso pessoal do saudoso jornalista José Raimundo Costa, que recém nos deixou. Costa criou e editou o caderno, desde os tempos em que ainda era uma homenagem anual aos leitores, dele tomando de conta até a edição do último dia 11. Já esta última, do dia 18, esteve entregue à nova editora, jornalista Jaqueline Costa, não por coincidência, sua filha. Há coisas que precisamos vir a este cargo, ocupá-lo, para dimensionar convenientemente sua importância dentro do contexto de um veículo de informação. É o caso do Jornal do Leitor, que faz por merecer atenção maior do que a que tem recebido. Uma mudança de postura, necessária e urgente, no sentido de uma melhoria que seja capaz de lhe garantir um salto de qualidade.’