Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Guerra cambial e a estratégia do comércio

O ministro da Fazenda Guido Mantega pautou a imprensa internacional ao usar a expressão ‘guerra fiscal’, citada pelo Financial Times. Outros ministros evitaram a palavra ‘guerra’, mas isso não conteve a desordem nos mercados de câmbio. Esse foi o grande assunto no Fundo Monetário Internacional (FMI), em Washington, nas discussões e entrevistas de 5 a 10 de outubro. A fala de Mantega foi lembrada uma porção de vezes, por ter sido a descrição mais sombria do quadro global. Terminada a reunião, a grande imprensa, incluída a brasileira, manteve o assunto em destaque.

A cobertura foi de modo geral eficiente, apesar de envolver questões complicadas. Mas os jornais conseguiram explicar por que a emissão de dinheiro nos Estados Unidos – parte da política de estímulo à economia – afeta os mercados de câmbio e reforça a valorização do real. Boas matérias mostraram não só os conflitos entre Estados Unidos, China e União Europeia, mas também as manobras cambiais em vários outros países, principalmente no Japão, na Coreia do Sul, na Colômbia e na Tailândia.

Capital de giro

A deterioração das contas externas do Brasil tem sido uma das conseqüências da valorização do real. O Brasil tornou-se a fonte do maior saldo comercial obtido pelos Estados Unidos, excetuado o intercâmbio americano com Hong Kong, ponto de distribuição de mercadorias para toda a Ásia. Essa história, contada na sexta-feira (15/10) em reportagem do Estado de S. Paulo, foi uma excelente ilustração de como o Brasil se situa no meio do tiroteio cambial.

O Estadão também mostrou, na edição de sábado (16), o custo fiscal da manutenção de reservas, já superiores a US$ 280 bilhões naquele momento. A compra de dólares é parte da estratégia para conter a valorização do real – uma solução cara, mas considerada inevitável, neste momento, por economistas de várias tendências.

O real valorizado encarece os produtos brasileiros no mercado internacional, dificulta as exportações e facilita as importações. Isso corrói o saldo comercial e já há quem preveja um déficit na conta de mercadorias no próximo ano. Muitas outras economias estão submetidas ao mesmo tipo de pressão. Mas o câmbio, embora importante, não é a única desvantagem competitiva do Brasil. Vários fatores independentes do setor produtivo elevam os custos empresariais, prejudicam as empresas brasileiras e dificultam a criação de empregos.

Boas matérias publicadas em grandes jornais trataram de alguns desses fatores de ineficiência, na semana terminada em 17/10. Foi apenas uma boa coincidência, não um esforço coletivo para discutir as desvantagens competitivas. Na segunda-feira (11/10), o Estadão explorou carga tributária sobre o investimento produtivo: 24,3% do custo de um projeto, segundo estudo da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. Nenhum concorrente estrangeiro carrega um peso tão grande quando tenta ampliar e modernizar sua capacidade de produção.

No mesmo dia, o Valor descreveu as dificuldades de empresas pequenas e médias para conseguir crédito bancário. Este problema tem permanecido geralmente em segundo plano. Quase só se discute a escassez de financiamento de longo prazo. Nessa área o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) atua quase sozinho. Também isso limita a capacidade de investimento das empresas. Mas a maior parte das companhias tem dificuldade também para conseguir capital de giro, isto é, dinheiro para tocar as atividades no dia a dia. É o capital necessário para pagar os salários, comprar matérias-primas, liquidar as contas de luz e telefone e custear outras despesas correntes.

Agenda necessária

Na sexta-feira (15), a Folha de S. Paulo publicou uma reportagem sobre a ineficiência dos aeroportos, comparando, entre outros pontos, o tempo necessário a uma conexão em Guarulhos e Congonhas com o tempo gasto em Chicago. Segundo estudo citado na matéria, a ineficiência dos aeroportos brasileiros custa ao país entre R$ 2 bilhões e R$ 3 bilhões/ano. Valeria a pena voltar ao assunto e mostrar em detalhes as condições de movimentação de cargas e compará-las com as observadas no exterior.

Valor abordou ainda, na quinta-feira (14), um assunto importante e ligado de outra forma ao problema da competitividade. Segundo a reportagem, o cruzamento de dois estudos mostrou a existência em 20 estados e no Distrito Federal de incentivos fiscais à importação. O incentivo é dado por meio da redução do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), um tributo estadual, para favorecer certos tipos de importações e atrair empresas.

Isso é parte da guerra fiscal entre estados, uma das várias distorções do sistema tributário brasileiro. No caso, uma distorção especialmente danosa, porque interfere de forma atabalhoada e irresponsável nas políticas industrial e de comércio exterior. A matéria apresenta um amplo levantamento dos incentivos e de sua aplicação em cada unidade da Federação.

Qualquer novo governo deveria incluir esses tópicos – entre vários outros – na agenda da competitividade. Essa agenda será indispensável nos próximos anos, seja quem for o ocupante do Palácio do Planalto. Uma imprensa controlada não prestaria serviços como esses.

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Jornalista