O texto de Paulo França, ‘Para ler com lupa‘, chama a atenção para um dado que tem sido recorrente em minhas manifestações no Observatório da Imprensa: a famosa duplicidade de pesos e medidas. Explico: ironiza-se a referência ao sujeito indeterminado ‘elites’, por parte dos defensores do governo. Entretanto, numa sociedade dividida em classes – e aqui não vou entrar no debate, velho como a existência de civilizações, acerca de ser justa ou injusta tal divisão –, há que falar, sim, em grupo de seletos, eleitos, que constituem a denominada ‘elite’, inclusive quando o título que os destaca é apenas e tão-somente o dinheiro, e de um grupo de desprezados, que constituem a ‘ralé’, e o restante, que constitui a ‘plebe’. E a elite parte do pressuposto de que é titular de determinadas imunidades pelo simples fato de ser elite.
No caso, a operação concernente à Daslu, pelo que tenho podido acompanhar, não se deu por motivos ontológicos (isto é, pelo fato de se tratar de uma loja da elite), mas sim por motivos que conduziriam qualquer pessoa, na mesma situação, a ser enquadrada criminalmente: sonegação fiscal. Não vou adentrar, aqui, se procede ou não, porque isto é peculiaridade do caso concreto, sobre a qual eticamente estou impedido de me pronunciar, e que certamente o Judiciário terá plenas condições de decidir do melhor modo. Agora, falar em ‘malfeitos da classe operária‘, como o fez a colunista Leila Reis, vale por dizer que a classe operária é ontologicamente culpada, que contra qualquer dos seus integrantes vale a presunção absoluta de culpa.
Toda corrupção é má
Quem sabe se não vão tais senhorinhos sustentar o retorno do voto censitário, qual existia na época do Império? Ressuscitar, talvez, a tese de Aristóteles quanto à existência de ‘ferramentas com alma’? Tenho visto, inclusive, dizerem que o problema da corrupção é o de ela servir para a instauração de regimes ‘utópicos’, quando é perfeitamente possível que a corrupção sirva para a manutenção de regimes voltados a ‘combater a subversão’, como foi o caso do Peru aos tempos de Alberto Fujimori.
Deste modo – correndo o risco de ser acusado de direitista por Emir Sader –, penso que se torna absolutamente irrelevante, hoje, o debate acerca do que é esquerda ou direita, conquanto que a população, como um todo, seja tratada como um fim em si mesma, e não como simples meio (quanto aos caçadores de comunistas, já esclareço logo: não estou reportando nenhum comuna, até porque não tenho formação marxista; estou reportando aqui o velho Immanuel Kant, nascido em 1724 e falecido em 1804).
Não existem a boa e a má corrupção: toda corrupção é má. A corrupção do governo do PT não é mais nem menos grave do que a do governo do PSDB – tacitamente admitida pela frase ‘isto pertence à história’. E a história da lesividade dos contratos de risco na exploração do petróleo postos em prática durante o regime militar, quem a ofertou foi um dos mais declarados liberais do Congresso Constituinte, Afonso Arinos de Mello Franco. Pertence à história o que aconteceu, não o que gostaríamos que tivesse acontecido nem o que é inconveniente que não tenha acontecido.
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Advogado, Porto Alegre