Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Imprecisão jornalística

O jornalista é um generalista. Não pode saber todos os detalhes das falas das fontes. Resta, então, traduzir discursos. Não no sentido simplório de trocar e cortar palavras, mas buscando criar conhecimento acessível às massas. Nesse processo, alguma coisa pode faltar. Algum mal-entendido, algum equívoco na interpretação. Não raro, a imprecisão jornalística entra em campo para deixar as empresas de cabelo em pé.

Em 2014, trabalhei em uma entidade rodoviária de transporte público. Como estagiário, procurava detalhar ao máximo as pautas aos jornalistas visitantes, buscando favorecer uma compreensão mútua. Nem sempre o objetivo era atingido. Nunca me esqueço de quando uma repórter televisiva de grande emissora entrevistou o presidente da empresa. No dia seguinte, a matéria apontava que 80% dos funcionários, entre motoristas e cobradores, estavam afastados por problemas psicológicos. Foi de doer a repercussão.

Considerando a falta de paciência dos usuários e o estresse pelo qual passam profissionais de transporte coletivo, não seria exagero conceber número tão mirabolante. Mas o indicador estava absolutamente equivocado. A jornalista anotou errado, confundiu porcentagens. Se 80% dos colaboradores estivessem fora de serviço, os ônibus estariam nas garagens, não haveria operação. Na pressa, entretanto, a informação foi veiculada mesmo assim – sem lógica alguma.

O número de afastamentos regular era de 5%. À época, a média aumentou para 7%. Esse era o dado correto. O erro, todavia, já estava assentado na opinião pública. Nas redes sociais da empresa, usuários pressionavam a diretoria para que profissionais de emergência fossem convocados imediatamente. Mesmo com a retificação do canal e com uma nota oficial esclarecendo o vacilo, a crise estava instaurada.

Ainda o mais confiável

Salvo casos históricos de execrável imprecisão, o jornalismo sempre se destacou pela certificação, embora a pressa nuble a apuração em muitas ocasiões. As pessoas têm por verdade uma informação publicada na Folha de S.Paulo, por exemplo. Hoje em dia, entretanto, sobretudo nas novas mídias digitais, o jornalista perdeu sua exclusividade na função de compartilhar notícias. Os usuários da rede ganharam grande poder, formando opiniões igualmente.

Mas e que tipo de opinião andam formando? Pesquisas “de última hora” que mostram Aécio vencendo Dilma nas eleições de 2014? Frases de personalidades proeminentes nunca preferidas por elas? A web ainda tem muito a crescer nesse sentido. O desafio dos internautas é escolher fontes fidedignas de informação, a fim de filtrar o imenso volume de mentiras propagadas pelo clique.

Desse modo, o jornalismo ainda se apresenta como a forma mais confiável de descobrir a verdade dos fatos. Grandes veículos tem a preferência em comparação a blogs e páginas pessoais. Errar – honestamente – é humano, em todas as áreas. A diferença é que o erro jornalístico repercute para milhares de pessoas. No caso da empresa de ônibus em que trabalhei, a crise foi gerenciada, novos casos não mais aconteceram. Uma oportunidade recíproca, portanto, para que imprensa e empresa aperfeiçoassem seus processos de relacionamento. Seguiu o baile, sem ressentimentos – afinal, um precisa do outro.

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Gabriel Bocorny Guidotti é bacharel em Direito e estudante de Jornalismo