Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Imprensa aperta e aponta outras quadrilhas

A imprensa fechou o cerco ao senador Renan Calheiros neste final de semana. E certamente a marcação cerrada da mídia foi levada em conta por seus pares diante das tentativas de negociar uma absolvição antecipada tendo como pano de fundo as ameaças de vazamento de denúncias contra parlamentares que não se alinhassem em sua defesa. A tática de trazer a público novas revelações de mazelas quase funcionou, pelo simples fato de que o Congresso Nacional é uma fonte inesgotável de histórias pouco edificantes.

No entanto, a imprensa poderia ter feito um pouco mais, por exemplo, se tentasse antecipar algumas das histórias que Renan e seus aliados ameaçam destampar. Seria curioso saber, por exemplo, a razão pela qual o sanguíneo amazonense Arthur Virgílio (PSDB) ficou tão irritado com o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ), ao ser questionado diante de jornalistas por sua posição dúbia em relação ao julgamento do presidente do Senado. Logo Virgílio, que, no papel de anjo da guarda da moralidade pública, estrelou nove entre dez telejornais durante a prolongada crise do chamado ‘mensalão’. A quem estaria tentando proteger o senador amazonense?

Representante do ‘baixo clero’

Também fica difícil entender por que a imprensa anda poupando as empresas envolvidas na longa safra de escândalos. O leitor certamente teria gosto em ver uma página com a lista de obras entregues à construtora Mendes Júnior, cujo representante figura no caso Renan como o mecenas que tentou manter sob controle os efeitos colaterais das aventuras sexuais do bravo senador alagoano. Quem sabe, ao lado da descrição das obras poderiam ser alinhados os nomes dos parlamentares que utilizaram seus mandatos democraticamente conquistados para garantir as verbas para cada uma delas.

No caso do então senador Jader Barbalho, em 2001, e no do presidente da Câmara, deputado Severino Cavalcanti, em setembro de 2005, os nobres parlamentares foram mais expeditos em se livrar da companhia incômoda e a imprensa foi mais assertiva na cobrança de um final sem pizza. Acompanhou as denúncias e investigações contra Jader, ajudou a juntar as peças que revelaram o suficiente para levar a cabo o julgamento e deu sua mãozinha para empurrar o então presidente do Senado para as cordas.

Cavalcanti renunciou ao cargo – e ao mandato – sete meses e seis dias após haver tomado posse. Fora levado à presidência da Câmara numa manobra ousada da oposição, que se aproveitou de desentendimentos na bancada de apoio ao governo Lula. Quem o elegeu ajudou a crucificá-lo, mas Cavalcanti facilitou a tarefa. Além de representar o chamado ‘baixo clero’ da Casa, fora acusado de se beneficiar de quireras na concessão de serviços de restaurante no edifício do Congresso.

Azedando a canjica

Jader Barbalho teve contra si a então poderosa mão do senador baiano Antonio Carlos Magalhães e mais tarde admitiria que havia errado ao aceitar as pressões para se licenciar do cargo enquanto se defendia das acusações de desvio de verbas do Banco do Estado do Pará na época em que fora governador. Longe do poderoso gabinete, ficou sem forças para negociar. Na ocasião, ameaçou que, se caísse, levaria consigo alguns dos velhos caciques do Congresso. Foram nomeados explicitamente os senadores José Sarney (PMDB-AP), Romeu Tuma (PFL-SP) e Jorge Bornhausen (PFL-SC). Mas Jader se retirou da cena sem contar o que dizia saber sobre os nobres parlamentares. Da mesma forma, a imprensa se fez de zonza e não manifestou curiosidade em conhecer o que havia para ser revelado.

O atual presidente do Congresso se retirou para os folguedos de São João deixando no ar a mesma ameaça: não cairá sozinho. Ele espera que as festas juninas ajudem a aliviar as pressões contra seu mandato, mas a imprensa não dá sinais de se distrair com outras quadrilhas. Infelizmente, também não há sinais de movimento no sentido de desvelar o que Renan Calheiros estaria usando como trunfo. Depois de haver sobrevivido ao governo do ex-presidente Collor de Mello, de quem foi líder na Câmara, e após uma carreira na qual teve papel de destaque em importantes negociações de cargos e verbas, ele certamente teria o que contar.

No entanto, não cabe à imprensa atuar como força de reserva para chantagens políticas. É hora de aproveitar o recesso junino inventado por Renan Calheiros e azedar sua canjica.

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Jornalista