Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Imprensa descobre Arapiraca


Demorou, mas finalmente a grande imprensa descobriu o caso de pedofilia registrado na diocese de Arapiraca (AL), revelado pelo repórter Roberto Cabrini, no SBT, e repercutido pela revista Veja, em meados de março. A imprensa se mexeu, a igreja católica de manifestou. Abaixo, uma coleção de textos sobre o assunto. A esse respeito, ver, neste Observatório, ‘Crimes sem punição‘, ‘Começou o outono ou é uma primavera?‘, ‘A `Legião´ desmorona, ninguém noticia‘ e ‘Entre o silêncio e o crime‘. (L.E.)


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Arapiraca (AL) reproduz paralisia do Vaticano em casos de pedofilia


Roldão Arruda # reproduzido do Estado de S.Paulo, 11/4/2010


Nas ruas de Arapiraca, as pessoas usam expressões de espanto e de repulsa quando comentam as denúncias que vieram à tona no mês passado envolvendo três padres da cidade alagoana, acusados de terem abusado sexualmente, durante anos seguidos, de coroinhas de suas paróquias. ‘Não consigo acreditar’, disse o aposentado José Pedro de Oliveira, que conhecia e admirava um dos padres há 20 anos. ‘Um choque. Foi um choque’, definiu o comerciante Moacir da Silva, dono de uma lanchonete na região central.


Essa é a visão da gente que conhecia os sacerdotes por meio de aparições públicas, missas e orações. Mas, entre as pessoas que têm ou já tiveram acesso às sacristias, casas paroquiais, seminários e outras dependências do mundo eclesial, os comentários mudam. Ganha corpo ali outro tipo de perplexidade, que envolve a demora da Igreja na adoção de medidas que impeçam o surgimento dos abusos e, pior ainda, sua continuidade. Em Arapiraca não se leva muito tempo para descobrir que os possíveis abusos sexuais cometidos pelos padres denunciados são tema de conversas há mais de dez anos nos bastidores da Diocese de Penedo – a província eclesiástica que engloba a cidade.


O que se pergunta aqui é: por que a Igreja não tomou providência? Por que deixou se repetir nesta cidade nordestina de pouco mais de 200 mil habitantes o mesmo tipo de inoperância que já foi seguidas vezes observado em diversas partes do mundo, desde meados dos anos 80, quando eclodiram nos EUA as primeiras denúncias de pedofilia envolvendo sacerdotes? Uma das possíveis respostas é que a Igreja ainda se vê como um mundo à parte, capaz de resolver sozinha, com seus códigos e normas religiosas, atos que a sociedade considera criminosos.


Os transgressores de Arapiraca usaram a seu favor essa atitude da Igreja. Pareciam tão seguros da impunidade que chegaram a tratar o assunto publicamente. Anderson Faria, de 21 anos, um dos três ex-coroinhas que decidiram denunciar os abusos a que teriam sido submetidos, relatou ao Estado que, seis anos atrás, quando decidiu se afastar do monsenhor Raimundo Gomes Nascimento, um dos acusados, foi surpreendido com a reação dele. No púlpito, diante de fiéis que não entendiam exatamente o que estava acontecendo, ele atacou o rapaz que desejava se livrar dos abusos, acusando-o de ingrato. ‘Disse que eu estava indo para o caminho do mal’, lembrou o ex-coroinha.


Foi tão pesado que a mãe de Anderson dirigiu-se à sacristia, após a missa, para reclamar. Só recentemente, quando o filho relatou-lhe os abusos, ela teria compreendido a contundência da homilia do monsenhor. ‘Ele não tinha vergonha nenhuma do que fazia’, disse o ex-coroinha.


Os fatos eram conhecidos nos círculos internos. Quando começaram a vir à tona, dois anos atrás, foram feitas negociações secretas para silenciar os ex-coroinhas. O bispo italiano d. Valério Breda, à frente da Diocese de Penedo há 13 anos, teria sido informado sobre cada passo desses episódios, segundo relatos e documentos apresentados pelos ex-coroinhas.


Silêncio


O Estado procurou, sem sucesso, conversar com o bispo em diferentes ocasiões na semana passada. Ele tem evitado a imprensa e também proíbe os padres de falarem. Em nota oficial, porém, assegurou na quinta-feira que só soube dos fatos após a reportagem veiculada pelo SBT em março, que deu repercussão nacional ao caso.


Em Arapiraca, a 130 quilômetros da capital, os três acusados que apareceram na primeira denúncia são bem conhecidos. Monsenhor Raimundo, de 53 anos, um homem robusto e de pensamento conservador, já chegou a dirigir a Diocese de Penedo, como vigário capitular. Isso ocorreu entre 1994 e 1997, quando o bispo alemão Constantino Lüers afastou-se do cargo e o Vaticano ficou indeciso quanto ao sucessor. Desde aquela época o nome do monsenhor passou a ser cogitado em todas as nomeações de novos bispos na região. Dizia-se até que seria o futuro bispo de Arapiraca, que, na condição de segunda maior cidade do Estado, sonha em ser elevada pelo Vaticano à condição de sede diocesana.


Prestígio maior tinha monsenhor Luiz Marques Barbosa – o sacerdote de 83 anos que aparece mantendo relações sexuais com um jovem na reportagem exibida pelo SBT e, de modo mais detalhado e explícito, no DVD que pode ser comprado em qualquer esquina de Arapiraca, ao preço de R$ 5. Ligado à Renovação Carismática, comandava uma onda de reavivamento conservador na Igreja local e dirigia obras sociais. Simpático, voz forte e afinada, dava ênfase aos cânticos durante as missas e pregava de modo direto e tocante.


É difícil encontrar alguém que não faça algum tipo de elogio ao monsenhor Luiz. Suas missas, na Paróquia São José, atraíam gente de toda a cidade. O motorista de táxi Cícero da Silva saía todos os domingos do bairro conhecido como Baixão e atravessava a cidade para ouvir monsenhor Luiz. ‘Ele falava da Bíblia de um jeito que até eu, que não sou muito bom de escrita, compreendia.’ Após as denúncias, o motorista deixou de ir à igreja: ‘Agora rezo o meu Pai Nosso sozinho em casa.’


Se voltasse à Paróquia São José, o taxista veria que os admiradores do monsenhor se recusam a tirar seu retrato da parede da casa paroquial. Ele continua lá, imponente, ao lado do papa Bento XVI e de d. Valério.


O terceiro acusado, padre Edilson de Duarte, de 43 anos, era o mais jovem. Dirigia a Paróquia Nossa Senhora do Bom Conselho, no centro da cidade e, com o apoio dos dois monsenhores, era um nome em ascensão.


Entre as pessoas que procuram explicações para o que aconteceu encontra-se o padre Manoel Henrique Santana, professor em Maceió e ex-presidente da Associação Nacional do Clero. Para ele, parte da hierarquia da Igreja ainda tende a tratar casos de abuso como pecados a serem perdoados internamente. Na mesma linha, o juiz Manoel Tenório de Oliveira, professor de Direito Penal em Arapiraca, destaca que a cúpula da Igreja não se deu conta que deixou de ser inatacável, como no passado. ‘Espero que as denúncias acabem estimulando reformas na instituição’, disse o juiz, que é padre casado, pai de três jovens e afastado das funções sacerdotais pela Igreja.


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Monsenhor é gay e não pedófilo, afirma defesa


R.A. # reproduzido do Estado de S.Paulo, 11/4/2010


Uma das teses que os defensores de monsenhor Luiz Marques Barbosa vêm adotando é que ele não é pedófilo, e sim homossexual. Sua orientação e suas práticas sexuais já seriam conhecidas dos superiores desde a ordenação sacerdotal, em 1951. Essa teria sido a causa de sua transferência de Alagoas para São Paulo, onde trabalhou até se aposentar e voltar para o local de origem.


Segundo essa tese, o que se viu na TV foi uma relação homossexual. Portanto, não haveria crime. A culpa do monsenhor seria pela violação dos votos de castidade, com o conhecimento dos superiores. A polícia não acredita.


Na semana passada, as delegadas Angelita Sousa e Barbara Arraes ouviram mais de uma dezena de jovens e reuniram fotos e documentos que podem provar que os três sacerdotes de Arapiraca acusados de pedofilia usavam seu poder para abusar dos jovens desde que eles tinham 12 anos.


O lado irônico da tese de defesa do monsenhor é que ele já atacou publicamente os homossexuais e chegou a proibir o funcionamento de uma oficina de capacitação profissional para travestis no salão da paróquia que dirigia. ‘Ele era homofóbico’, diz o ativista gay Claudemir Martins, de Arapiraca.


O senador Magno Malta, evangélico que preside a CPI da Pedofilia, também quer a criminalização dos envolvidos. Ele esteve em Maceió para tratar do escândalo. No dia 16, volta com outros integrantes da comitiva para promover audiências publicas em Arapiraca.


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Muito mais que pedofilia


Dom Odilo P. Scherer (*) # reproduzido do Estado de S.Paulo, 10/4/2010


 


As notícias sobre pedofilia envolvendo membros do clero difundiram-se de modo insistente. Tristes fatos, infelizmente, existiram no passado e existem no presente. Não preciso discorrer sobre as cenas escabrosas de Arapiraca… A Igreja vive dias difíceis, em que aparece exposto o seu lado humano mais frágil e necessitado de conversão. De Jesus aprendemos: ‘Ai daqueles que escandalizam um desses pequeninos!’ E de São Paulo ouvimos: ‘Não foi isso que aprendestes de Cristo.’


As palavras dirigidas pelo papa Bento XVI aos católicos da Irlanda servem também para os católicos do Brasil e de qualquer outro país, especialmente aquelas dirigidas às vítimas de abusos e aos seus abusadores. Dizer que é lamentável, deplorável, vergonhoso é pouco! Em nenhum catecismo, livro de orientação religiosa, moral ou comportamental da Igreja isso jamais foi aprovado ou ensinado. Além do dano causado às vítimas, é imenso o dano à própria Igreja.


O mundo tem razão de esperar da Igreja notícias melhores ? dos padres, religiosos e de todos os cristãos, conforme a recomendação de Jesus a seus discípulos: ‘Brilhe a vossa luz diante dos homens, para que eles, vendo vossas boas obras, glorifiquem o Pai que está nos céus!’ Inútil divagar com teorias doutas sobre as influências da mentalidade moral permissiva sobre os comportamentos individuais, até em ambientes eclesiásticos. Talvez conseguiríamos compreender melhor por que as coisas acontecem, mas ainda nada teríamos mudado.


Há quem logo tenha a solução, sempre pronta, à espera de aplicação: É só acabar com o celibato dos padres que tudo se resolve! Ora, será que o problema tem que ver somente com celibatários? E ficaria bem jogar nos braços da mulher um homem com taras desenfreadas, que também para os casados fazem desonra? Mulher nenhuma merece isso! E ninguém creia que esse seja um problema somente de padres: a maioria absoluta dos abusos sexuais de crianças acontece debaixo do teto familiar e no círculo do parentesco. O problema é bem mais amplo.


Ouso recordar algo que pode escandalizar alguns até mais que a própria pedofilia: É preciso valorizar novamente os mandamentos da Lei de Deus, que recomendam atitudes e comportamentos castos, de acordo com o próprio estado de vida. Não me refiro a tabus ou repressões ‘castradoras’, mas apenas a comportamentos dignos e respeitosos em relação à sexualidade. Tanto em relação aos outros como a si próprio. Que outra solução teríamos? Talvez o vale-tudo e o ‘libera geral’, aceitando e até recomendando como ‘normais’ comportamentos aberrantes e inomináveis, como esses que agora se condenam?


As notícias tristes desses dias ajudarão a Igreja a se purificar e a ficar muito mais atenta à formação do seu clero. Essa orientação foi dada há mais tempo pelo papa Bento XVI, quando ainda era prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. Por isso mesmo, considero inaceitável e injusto que se pretenda agora responsabilizar pessoalmente o papa pelo que acontece. Além de ser ridículo e fora da realidade, é uma forma oportunista de jogar no descrédito toda a Igreja Católica. Deve responder pelos seus atos perante Deus e a sociedade quem os praticou. Como disse São Paulo: Examine-se cada um a si mesmo. E quem estiver de pé, cuide para não cair.


A Igreja é como um grande corpo: quando um membro está doente, todo o corpo sofre. O bom é que os membros sadios, graças a Deus, são a imensa maioria. Também do clero. Por isso ela será capaz de se refazer dos seus males, para dedicar o melhor de suas energias à boa notícia: para confortar os doentes; visitar os presos nas cadeias; dar atenção aos abandonados nas ruas e debaixo dos viadutos; para ser solidária com os pobres das periferias urbanas, das favelas e cortiços. Ela continuará ao lado dos drogados e das vítimas do comércio de morte, dos aidéticos e de todo tipo de chagados; e continuará a acolher nos cotolengos criaturas rejeitadas pelos ‘controles de qualidade’ estéticos aplicados ao ser humano; a suscitar pessoas, como Dom Luciano e dra. Zilda Arns, para dedicarem a vida ao cuidado de crianças e adolescentes em situação de risco; e, a exemplo de Madre Teresa de Calcutá, ainda irá recolher nos lixões pessoas caídas e rejeitadas, para lavar suas feridas e permitir-lhes morrer com dignidade, sobre um lençol limpo, cercadas de carinho.


Continuará a mover milhares de iniciativas de solidariedade em momentos de catástrofes, como no Haiti; a estar com os índios e camponeses desprotegidos, mesmo quando também seus padres e freiras acabam assassinados. E continuará a clamar por justiça social e a denunciar o egoísmo que se fecha às necessidades do próximo. Ainda defenderá a dignidade do ser humano contra toda forma de desrespeito e agressão, e não deixará de afirmar que o aborto intencional é um ato imoral, como o assassinato, a matança nas guerras, os atentados e genocídios. E sempre anunciará que a dignidade humana também requer comportamentos dignos e conformes à natureza, também na esfera sexual; e que a Lei de Deus não foi abolida, pois está gravada de maneira indelével na coração e na consciência de cada um.


Mas ela o fará com toda humildade, falando em primeiro lugar para si mesma, bem sabendo que é santa pelo Santo que a habita, e pecadora em cada um de seus membros. Todos são chamados à conversão constante e à santidade de vida. Não falará a partir de seus próprios méritos, consciente de trazer um tesouro em vasos de barro, mas consciente também de que, apesar do barro, o tesouro é precioso, e ela quer compartilhá-lo com toda a humanidade. Essa é sua fraqueza e sua grandeza!


(*) Cardeal-arcebispo de São Paulo


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As falhas da burocracia mais antiga do planeta


Rachel Donadio # reproduzido do O Estado de S.Paulo, 11/4/2010; tradução de Anna Capovilla


O escândalo dos abusos sexuais em que afunda a Igreja Católica Romana é a crise mais persistente e complexa já enfrentada pelo papa Bento XVI. E é um teste crucial para um papado que, segundo muitos observadores, tem uma profunda falha interna: sua administração.


Teólogo reservado, Bento é ‘um brilhante professor e pregador, mas um administrador não muito enérgico’, disse George Weigel, especialista em questões do Vaticano e biógrafo do papa João Paulo II, em um e-mail. ‘O que é bom para um papa, desde que ele tenha um administrador (ou administradores) fortes que se encarreguem deste aspecto da missão.’


‘Para ser franco, muitos observadores que simpatizam com este pontificado achavam que parecia ser isto que faltava até agora’, acrescentou Weigel.


No entanto, não deveria ser assim. Há cinco anos, os cardeais que elegeram Joseph Ratzinger ao papado viram nele um líder enérgico que poderia fortalecer a Igreja, considerando que esteve durante duas décadas na direção da Congregação para a Doutrina da Fé, o poderoso escritório do Vaticano que cuida de assuntos de doutrina.


Mas Bento esbarra continuamente em problemas administrativos.


Quatro anos após ter citado a afirmação do imperador bizantino segundo o qual o Islã trouxe coisas ‘más e desumanas’, enfurecendo os muçulmanos, aparentemente não adotou um sistema que faça as engrenagens do governo funcionar adequadamente – ou que permita evitar o próximo tropeço público.


O fato de no papado de Bento ter ocorrido uma crise após a outra indica as dificuldades desta antiga instituição, que ainda luta com a modernidade, embora o liberalizante Concílio Vaticano II, na década de 60, pretendesse modernizar a relação da Igreja com o mundo. Ao contrário, neste momento, enfrenta os crescentes desacertos de uma burocracia criada no século 16 para fazer frente à Reforma Protestante e à descoberta do Novo Mundo. E, segundo alguns, continua às voltas com ambos os problemas.


Dez anos depois que outra crise de abusos sexuais atingiu os Estados Unidos, provocando violenta ira e custando à Igreja o que se calcula US$ 2 bilhões em acordos extrajudiciais, os especialistas afirmam que o Vaticano ainda não montou uma infraestrutura adequada para processar os casos de abuso. Em 2001, o cardeal Ratzinger assumiu o controle desses casos, com o objetivo de fazer com que os sacerdotes envolvidos assumissem sua responsabilidade. Mas um escritório com apenas 10 pessoas trabalha há 10 anos em 3 mil casos, depois que estes passam por uma avaliação nos respectivos países.


Discurso desastrado. O Vaticano tampouco adaptou sua cultura insular secular às exigências dos tribunais civis, e muito menos dos tribunais da opinião pública. O fim de semana da Páscoa mostrou dois exemplos da desafinação reinante na hierarquia: na Sexta-feira da Paixão, o próprio pregador do papa pronunciou uma homilia na Basílica de São Pedro comparando as críticas ao tratamento que a Igreja está dando à crise dos abusos sexuais ao antissemitismo, ofendendo as vítimas dos abusos e os judeus.


Depois, durante a missa da Páscoa, o cardeal Angelo Sodano, ex-secretário de Estado do Vaticano, denunciou como ‘mexericos’ as recentes críticas à Igreja e a Bento, que está sendo investigado pela condução da crise na época em que era arcebispo de Munique, em 1980, e quando prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. As observações do cardeal destacam uma mentalidade paranoica que pode confortar o papa, mas não responde aos críticos.


E embora o Vaticano seja uma potência mundial, frequentemente parece ser governado como uma aldeia italiana. ‘O Vaticano enfrenta dois desafios principais: o da geração e o da cultura’, disse um diplomata que não quis ser identificado temendo prejudicar o relacionamento com o Vaticano. ‘O maior desafio é o da administração.’


‘Se observar a expansão da Igreja católica, sua diversidade e enormes dimensões, perceberá que se trata de uma organização global’, disse o diplomata. ‘Mas sua arquitetura institucional não acompanhou esta expansão.’


O Vaticano é dividido em departamentos que raramente se comunicam entre si, segundo uma estrutura secular de sigilo e autonomia. Bento aparentemente toma a maioria das decisões e escreve a maioria dos discursos fazendo poucas consultas. O que levou a incidentes diplomáticos, como quando o cardeal encarregado do diálogo entre os credos disse que não havia sido comunicado de que Bento havia revogado a excomunhão de quatro bispos cismáticos, até mesmo daquele que negou a magnitude do Holocausto.


Como nas crises passadas, todos os olhos se voltam para o secretário de Estado do Vaticano, o cardeal Tarcísio Bertone. Durante anos ele é a segunda pessoa no comando da Congregação para a Doutrina da Fé, é de toda confiança de Bento e atualmente é o responsável pela condução da máquina política do Vaticano – e por manter o papa informado. Pessoas que têm amplo acesso ao Vaticano afirmam que o papa está cada vez mais isolado e o cardeal Bertone é um dos poucos funcionários que falam com ele regularmente.


Figura cordial e carismática, o cardeal Bertone não tem uma formação diplomática, e os observadores dos Vaticano e os diplomatas estrangeiros acreditados na Santa Sé o culpam insistentemente por uma visão de mundo que gira de maneira desproporcional em torno da Itália.


Acusar a imprensa de ataques caluniosos é uma estratégia comum na Itália, mas não funciona muito bem internacionalmente. ‘Esta é uma abordagem problemática, para dizer o mínimo, considerando a opinião pública mundial que desaprova amplamente a maneira como a hierarquia em geral vem tratando desta questão’, disse David Gibson, um biógrafo de Bento que escreve sobre religião para o site politicsdaily.com.


‘Se o papa tratasse da crise do modo como tratou de graves problemas anteriores – com uma espécie de explicação pessoal – os católicos e outros a achariam uma resposta pastoral muito mais satisfatória e humana’, disse Gibson.


Em sua visita aos EUA, em 2008, Bento pediu desculpas pelos abusos dos padres e encontrou-se com as vítimas. Agora, além de uma carta aos católicos irlandeses, no mês passado, não tratou diretamente da questão.


Tanto seus críticos quanto seus defensores esperam agora para ver como – ou se – os lentos mecanismos do Vaticano funcionarão. Segundo os observadores, há uma crescente consciência no Vaticano de que o número de casos divulgados certamente se multiplicará – e no seu próprio quintal, a Itália, outrora intocada.


O prefeito para a Congregação da Doutrina da Fé, cardeal William J. Levada, admitiu na semana passada que seu escritório dedica um terço do seu tempo para tratar dos casos de abuso e provavelmente precisará aumentar o número de funcionários com a chegada de novos casos. Poucas decisões burocráticas e administrativas tiveram tão grande peso – e o legado do papado de Bento está no topo da lista.


(*) Editora no The New York Times Book Review