Outro dia, Neymar perdeu as estribeiras ao ser derrotado pela Colômbia. Foi a deixa para que a boa velha imprensa esportiva colocasse na mesa mais uma das suas teorias-minuto: o jogador brasileiro não sabe perder. Pois penso diferente. Quem não sabe perder é a imprensa esportiva brasileira. Assim como muitas vezes não sabe ganhar também. E essa Copa América recém-terminada foi um prato cheio para comprovar minha filosofia de botequim.
A imprensa odeia Dunga. E tem ótimos motivos para isso. Nosso técnico é truculento, pouco político, deselegante e inculto, para ficar só na superfície. Mas vinha de uma sequência impressionante de vitórias, com adversários que incluíam a Argentina de Messi e a França em Paris. Não dava para sentar a mamona nele ainda…
Aí vem a estreia, Neymar dá um show de bola e, talvez só por isso, o Brasil vence o Peru. Desabrochava nas manchetes a Neymar-dependência. O Brasil dependia demais de seu craque. No jogo seguinte, contra a Colômbia, uma magra derrota de 1 a 0, Neymar muito mal e descontrolado, tudo parecia ruim. Quase tudo: já se podia falar mal de Dunga. Apesar de se classificarem até três em cada grupo e o Brasil ter a Venezuela pela frente, falou-se inclusive em eliminação precoce.
O Brasil ganhou da Venezuela, lógico, e pegou o Paraguai nas quartas. Num jogo morno, abriu o placar e, diante de um adversário sem força ofensiva, ofereceu o empate num pênalti cedido graciosamente por Thiago Silva. Nos pênaltis, eliminação. Pronto.
Sandices “não fazem mal a ninguém”
Vergonha!, estampavam praticamente todos os jornais, como em praticamente toda derrota brasileira. Dunga foi devidamente surrado, assim como os jogadores, e inclusive foi citado que era mais uma humilhação do futebol brasileiro nos últimos meses – uma pequena mentira, já que a última atuação vexatória do escrete canarinho havia sido há um ano, em plena Copa do Mundo. Depois disso, literalmente, foi só vitória.
Mas a coisa ainda ficaria pior. Na semifinal entre Paraguai e Argentina, o time guarani era endeusado por sua postura, mesmo perdendo por 3, 4, 5, enfim 6 a1. Chegou-se a dizer que os paraguaios jogaram bem melhor que Brasil na partida pelas quartas. Uma mentira, e das grandes. E que era melhor perder com aquela postura do que da maneira que o Brasil foi eliminado, nos pênaltis. As duas observações durante a transmissão do SporTV, com Maurício Noriega e Milton Leite. Ah, faça-me o favor!
Qualquer ser humano sabe que não há possibilidade de uma derrota por goleada do Brasil ser recebida nem ao menos com serenidade, quanto mais com qualquer tipo de elogio. Quando defende tese contrária, o especialista televisivo é apenas leviano e mentiroso, e sabe disso. Em qualquer outra área, uma análise dessa estirpe seria linchada em praça pública. Mas o futebol, ao mesmo tempo em que é tão importante, é um território onde tais sandices são permitidas, pois “não fazem mal a ninguém”, ou coisa do gênero.
Perder de 6 a 1 é melhor que perder de 7 a 1
O tal complexo de vira-latas apontado por Nelson Rodrigues está morto, faz tempo. O que ocupa seu lugar é uma megalomania que transforma qualquer derrota em fracasso e desmerece cada vitória, como aconteceu nos títulos de 94 e 2002 e mesmo no vice de 98.
Nada é bom o suficiente, nada faz jus ao passado do futebol brasileiro etc. Mesmo que este passado inclua conquistas com ajuda da arbitragem, como na Copa de 1962, em alguns momentos de 70 e mesmo em 1982 – um fracasso transformado em êxito estético e, portanto, perdoado de seus eventuais pecados.
Dunga é uma mala sem alça, mas a imprensa brasileira precisa deixar a máscara de lado e ser menos parcial e fantasista ao analisar seu próprio time. Assim como perder de 6 a 1 só é melhor que perder de 7 a 1, ficar mais de vinte anos sem título e ser derrotado numa final de Copa pode estar longe de ser um fracasso – foi que aconteceu com Argentina, aqui mesmo, lembram? Acorda, Brasil!
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João Carlos Pedroso é jornalista