O 60º congresso anual da Associação Mundial de Jornais (WAN, na sigla em inglês) terminou na quarta-feira (6/6), com um sabor de antiguidade: as recomendações sobre inovações estratégicas e gestão inovadora repetem, com mudanças sutis, tudo o que vem sendo dito nos encontros internacionais da mídia impressa há dez anos. Além disso, foi divulgado o resultado de uma pesquisa que ‘revela’ um fato conhecido desde antes do estouro da ‘bolha’ da internet – que a rede mundial de computadores se consolida como o principal meio de informação.
No sumário executivo do estudo intitulado ‘Moldando o futuro dos jornais’, o capítulo dedicado à chamada mídia digital começa afirmando que, para os consumidores de informações, as novas tecnologias expandiram as opções dos meios tradicionais como publicações, rádio e televisão para uma ampla variedade de escolhas, como a internet, podcasts (que permitem a qualquer pessoa publicar áudio e vídeo na rede, atualizando constantemente o conteúdo), blogs, TV interativa, mensagens curtas de texto e multimídia pelo celular, pelo computador ou por telas outdoor internas, nos trens do metrô e nos elevadores, rádio digital e outros meios ainda em fase de experimentação.
O documento observa que o cenário da mídia mudou para sempre, lembrando que os jornais agora não competem apenas com outros jornais locais, o que também não é novidade há mais de dez anos. O estudo divulgado no encontro de 2007, na Cidade do Cabo, África do Sul, acrescenta ao que já se sabia que os jornais enfrentam não apenas seus concorrentes tradicionais, mas também outros protagonistas, como sites de empresas e de outras instituições, além de portais de internet locais e internacionais, como o Yahoo! e Google. Segundo o estudo realizado para a Associação Mundial de Jornais, a mídia tradicional está perdendo a luta pela atenção do leitor, agora acumulando funções de espectador, ouvinte e eventualmente autor.
Mais do mesmo
As conclusões do estudo sobre tendências da mídia digital indicam a conveniência de os jornais buscarem um posicionamento que lhes permita atender as múltiplas demandas do público, oferecendo seu conteúdo em distintos formatos, para acompanhar o leitor em suas diversas necessidades ou conveniências. O problema é que esse cenário já estava descrito na última década do século passado. Os jornais não se mexeram, e o espaço foi ocupado por concorrentes de outros setores.
Também foi discutida durante o encontro da Associação Mundial de Jornais a necessidade de estratégias inovadoras para enfrentar o longo período de perdas. No entanto, uma análise das recomendações sobre mudanças na gestão indicam que os jornais, em praticamente todo o mundo, estão somente agora despertando para ferramentas de gestão que são comuns em outros setores da economia que lidam com consumo massivo.
Como exemplo, o trabalho aponta o caso de um jornal americano que circula numa região cuja população é formada em 53% por hispânicos, e que descobriu que apenas 3% das fotos e das citações que publica se referem a indivíduos de origem hispânica. O estudo recomenda que, antes de expandir seu conteúdo para outros meios, os jornais procurem conhecer melhor seus públicos. Obviamente.
Ao contrário do tom apresentado pelos jornais que cobriram ou reproduziram relatos das agências de notícias sobre o encontro mundial de diretores da imprensa mundial, a perspectiva não é otimista. As análises são muito parecidas com o que resultava de conferências semelhantes, dez anos atrás.
Um levantamento realizado pela Harris Interactive, empresa de pesquisa e consultoria que acompanha há anos o mercado de mídia, em conjunto com a consultoria Innovation, afirma que as fontes de informações online vão superar as redes de televisão como mídia preferencial nos próximos cinco anos, e que os jornais podem recuperar posição se conseguirem integrar a distribuição online de informações como parte do que oferecem ao público.
No entanto, a maioria das inovações apresentadas durante a conferência se referia a redesenho, websites, jornalismo cívico, infográficos, suplementos e revistas temáticas. Ou seja, mais do mesmo que vem sendo feito há pelo menos uma década, sem resultados a comemorar.
Falta de tempo
Em termos de gestão editorial, especialidade da Innovation, as recomendações beiram a candura. Diz o estudo que os jornais devem ‘melhorar significativamente seu produto impresso tradicional aumentando a objetividade das coberturas, com reportagens e análises mais profundas e mais informações que sejam diretamente relevantes para a vida de seus leitores, desenho mais elaborado e mais `visual´ e texto mais envolvente’.
A empresa de consultoria apenas não explica como fazer esse jornal dos sonhos com jornalistas mal pagos, submetidos a regimes insanos de trabalho, sem a mínima perspectiva de carreira e com investimentos ridículos em qualificação.
A consulta da Harris, feita a 8.749 adultos em sete países – Estados Unidos, França, Alemanha, Itália, Espanha, Austrália e Inglaterra – mostra que para 35% a 39% deles o noticiário de televisão em canais abertos ou a cabo é a fonte primária de informações, com um grande crescimento da preferência pelo noticiário online. Apenas na Espanha os jornais ainda têm competitividade.
Questionados sobre suas previsões para os próximos cinco anos, os entrevistados apresentaram a perspectiva de substituição da TV pela internet como fonte primária de informações, desenhando um cenário ainda mais desalentador para os jornais.
Mas há quem veja otimismo na realidade apontada pelo estudo. Douglas Griffen, que trabalha para a Harris e a Innovation, comentou que ‘apesar do declínio na circulação, os editores de jornais devem vislumbrar um desafio e uma oportunidade em estender suas marcas online’. A mesma frase foi dita anos atrás pelo diretor-geral da Associação Mundial de Jornais, Thimoty Balding. Questionados por que não lêem jornais diariamente, cerca de 50% dos entrevistados afirmaram que não têm tempo e que essa função é substituída pela maior facilidade de acesso ao noticiário online.
Modelo oposto
Na interpretação do otimista Douglas Griffen, os editores e donos de jornais precisam aumentar a credibilidade da imprensa e associar a suas extensões online a importância que os leitores ainda dão aos jornais. No entanto, as recomendações que acompanham as conclusões do encontro parecem ir na contramão de seu apelo.
Mário Garcia, o designer que simbiliza a transformação da maioria dos jornais latino-americanos em clones do USA Today, resume o desafio dos jornais à velha toada que vem sendo seguida há duas décadas, e que tem afastado das redações os melhores redatores e os mais qualificados analistas. Para Garcia, ‘continuamos a lidar com um importante fator: tempo. Quantas coisas uma pessoa normal pode fazer durante o curso de 24 horas? Esse é o nosso desafio’, acrescenta, claramente defendendo seu modelo de reportagens curtas, cheias de infográficos e com textos objetivos e sucintos.
Citado entre as personalidades da Conferência da Associação Mundial de Jornais, Garcia parece apontar para um modelo oposto ao que defende Griffen. Pretendendo projetar o futuro, os jornais dão a impressão de que estão presos num círculo do tempo.
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Jornalista