Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Imprensa e o ‘discurso de palanque’

Alguns colunistas e articulistas dos principais jornais e revistas do país vêm demonstrando certa indignação, com uma boa dose de razão, com as contradições e o diz-que-diz da política. Em recente entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que não acreditava na acusação de que Cuba havia enviado dinheiro para a sua campanha porque aquele país vive num ‘misere’. Para o jornalista André Petry, da revista Veja, ‘atribuir inverossimilhança à história por causa da miséria cubana é uma forma de chamar a platéia de imbecil’. No caso, todos nós.


Prefiro chamar esse atual diz-que-diz da política brasileira de ‘discurso de palanque’. Ou seja, a referência passa a ser o próprio discurso que não tem mais que responder à própria realidade. Antes das eleições pode-se prometer tudo. Depois, quando chega ao poder, o discurso é outro. Não faltam explicações e dados de que não será possível atender as promessas.


A prática está contaminando até o discurso de quem está no poder. Parece que algumas autoridades e alguns políticos não acreditam que a sociedade tenha memória e não se dão conta de que o discurso só encontra respaldo quando confrontado com a realidade. Exagerando no exemplo, não é possível vender uma geladeira para um esquimó. Tentar confundir, apresentar dados parciais da realidade, ficar no puro denuncismo, entre outras questões também graves, é perder a dimensão da política como o lugar do diálogo e de expressão da sociedade.


Ética nocauteada


Vejamos alguns exemplos recentes nos quais o discurso entra em contradição com a própria realidade. O presidente da República disse no programa Roda Viva que três CPIs estão funcionando e não há ingerência do governo. O fato é que os jornais, revistas e a emissoras de TV divulgaram amplamente que o governo tentou derrubar a CPI dos Correios, procurou barrar a CPI dos Bingos e o ministro Jaques Wagner disse que o governo chegou a discutir a possibilidade de ir ao STF contra CPI dos Bingos, que estaria ‘fugindo do seu foco’.


Cabe acrescentar que logo depois da entrevista do presidente da República ao programa da TV Cultura, o Planalto acionou o ‘rolo compressor’ para tentar impedir a prorrogação da CPI dos Correios. Foi derrotado.


Mas o ‘discurso de palanque’ não contamina só o discurso do governo e da situação: atinge alguns setores da oposição. O líder do PSDB, senador Arthur Virgílio, por exemplo, que não têm poupado críticas ao governo do PT e particularmente ao presidente Lula, ao qual já dirigiu insultos verbais e ameaças físicas da tribuna do Senado, também é atingido por esse tipo de discurso.


Em matéria assinada na revista CartaCapital, o jornalista Maurício Dias diz que diante das declarações que o senador Arthur Virgílio deu ao Jornal do Brasil, publicadas na edição 19/11/ 2000 (pág. 9), ‘nocauteiam a ética que o senador ostenta agora. Segundo o jornalista, a reportagem trata da denúncia de que houve doações de mais de 10 milhões reais à campanha de reeleição de Fernando Henrique Cardoso que não foram registradas no Tribunal Superior Eleitoral. Dias comenta que na entrevista o então deputado Arthur Virgílio declarou que era preciso acabar com mocinhos pré-fabricados e bandidos preconcebidos. ‘Nesse país o caixa 1 é improvável. A maioria das campanhas têm caixa 2’, disse.


Dever inalienável


Ou a imprensa brasileira – rádio, TV e jornais – se reuniu numa atitude conspiratória contra o governo e alguns políticos, ou realmente há um ‘discurso de palanque’ para ganhar eleições, lançar suspeitas, denunciar sem provas, desqualificar adversários com fatos que não correspondem à realidade. Há muito tempo não acredito numa atitude conspiratória da mídia.


É preciso realmente passar a política a limpo. É necessário lembrar aos políticos e às autoridades que eles são empregados do povo brasileiro. Eles não fazem favores, cumprem obrigações. O que se promete no palanque tem que se cumprir depois. Além disso, também não temos a memória curta e estamos vigilantes no processo de aperfeiçoamento da democracia que vem sendo construído neste país. As pessoas estão cansadas de promessas e de discursos vazios. Atenção políticos e autoridades: os eleitores estão mais atentos.


É sempre bom enfatizar que as empresas de comunicação e os jornalistas têm um dever inalienável com a verdade, com a democracia e a soberania do país. Lembrando as palavras de Ruy Barbosa em Imprensa e o Dever da Verdade:




‘A imprensa é a vista da Nação. Por ela é que a Nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, ou roubam, percebe onde lhe alvejam, ou nodoam, mede o que lhe cerceiam ou destroem, vela pelo que lhe interessa, se acautela do que a ameaça’.

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Jornalista, professor do Departamento de Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco