Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Imprensa ignora o seu público-alvo

Os grandes jornais e as principais revistas semanais do Brasil passaram as últimas semanas esnobando seus leitores. Para ser justo, só Época percebeu a importância da chamada "Guerra dos Planos" — título de capa da sua edição 320, da semana passada.


De fato, nos últimos dias têm se sucedido capítulos importantes de uma batalha que começou no final do ano passado, quando o Supremo Tribunal Federal decidiu que os reajustes de contratos de planos de saúde anteriores à Lei 9.856 de 1998, que regula o setor, não passariam mais pelo crivo da Agência Nacional de Saúde Suplementar. Pouco depois, o Executivo federal começou uma campanha para convencer os brasileiros a mudarem para contratos novos ou adaptarem seus planos à legislação mais recente. A Justiça, porém, suspendeu o processo de migração e a campanha do governo, que tinha o célebre médico Dráuzio Varella como garoto-propaganda.


Desde maio, os segurados têm recebido cartas com propostas para mudarem de plano — pagando até cinco vezes mais do que nos atuais — ou permanecerem nas regras antigas, submetendo-se, portanto, a reajustes estipulados em contrato, e não pela Agência do setor. Sem dúvida alguma, é uma escolha complicada, mas a complicação tornou-se ainda maior graças ao silêncio da imprensa brasileira sobre o assunto.


É possível que os editores dos jornais e revistas mais importantes do País não estejam preocupados com a questão dos planos de saúde. Devem ganhar muito bem e fazer parte da camada da população que não se importa em pagar cinco vezes mais pelo mesmo serviço de um dia para o outro. Não é o caso, porém, dos leitores dessas publicações, majoritariamente oriundos das classes média ou da média-alta. São pessoas que se deparam com restrições orçamentárias, as quais certamente não atingem os que estão no topo da pirâmide, e que devem estar se sentindo totalmente abandonadas pelo noticiário justamente na hora que precisam dele para resolver um problema complexo, que demanda a maior quantidade de informação possível.


Via de regra, os grandes jornais têm noticiado a guerra dos planos de saúde em páginas internas, em seus cadernos de cidades. Alguns preferem levar o assunto para a seção de economia. O acompanhamento do caso está sendo feito — Época à parte — de maneira burocrática por quase todos os jornais, que têm se limitado a seguir a refrega judicial, mas não realizam um debate sobre as raízes do problema nem auxiliam o leitor a decidir, enquanto consumidor, o que fazer. Curiosamente, os jornais mais populares, como os paulistanos Diário de S. Paulo e Jornal da Tarde, voltados para as classes C e D, têm apresentado uma cobertura muito mais ágil, abrindo mais espaço e até dando manchetes para o tema. Ou seja, o pessoal com poder de decisão nas redações deve achar que o problema é mesmo coisa de pobre.


Na verdade, é provável que tamanho descaso com o drama dos segurados dos planos de saúde não seja oriundo de falta de sensibilidade dos editores, mas reflexo de uma cobertura burocratizada e por isso incapaz de perceber a importância do tema para o público-alvo de tais publicações. Para efeito de uma rápida comparação, basta lembrar da cobertura dos jornais sobre o Imposto de Renda. Quando chega a época da declaração do IR, por exemplo, todos eles mobilizam recursos para responder às dúvidas dos leitores, apresentar com detalhes as novidades do ano, debater a (in)justiça da cobrança deste tributo, entre outras tantas iniciativas. Trata-se de uma cobertura ampla, sintonizada com os anseios da classe média que compra os jornais e tem de enfrentar o Leão todos os anos, mas também, na maior parte dos veículos, burocratizada. Os grandes jornais e revista sabem que qualquer notícia a respeito do IR interessa ao seu público, mas adota uma "fórmula" para tratar do assunto. Assim, quem analisar a cobertura sobre o IR em três ou quatro anos diferentes vai notar que o material saiu em anos diversos apenas se prestar atenção nos números


Assim, quando os fatos fogem do padrão, quando algo inesperado acontece — como foi o início da guerra dos planos de saúde —, essa estrutura burocratizada das redações simplesmente leva tempo demais para perceber se o assunto é de interesse dos leitores de seus jornais e revistas. Na data de fechamento desta edição do OI (terça-feira, 13 de julho), a Folha de S. Paulo parece ter finalmente acordado para a questão dos planos: levou o assunto para manchete, com a decisão do ministro da Saúde de intervir nas operadoras que insistirem em desobedecer a Justiça e manter reajustes considerados "abusivos". Dos demais jornais, o Estadão deu uma chamada discreta na primeira página. O Globo e Jornal do Brasil, nem isso.