Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Imprensa na crise, sem alarmismo

O Brasil passa relativamente seguro pela mais severa crise dos mercados globais desde a quebra das economias asiáticas em 1998. Alguns leitores comparam como as duas circunstâncias foram vistas de maneiras diferentes pela mídia e questionam o que leva a imprensa, desta vez, a apresentar um noticiário mais sóbrio e menos propenso ao alarmismo se, no seu entendimento, o atual governo pratica uma política econômica muito semelhante à que marcou os oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso.

O tema não se esgotaria num artigo curto, mas algumas observações podem ser feitas a respeito das escolhas da imprensa nos dois episódios. Pode-se estabelecer um padrão de análise sobre o noticiário econômico pelo fato de que a imprensa brasileira costuma tratar esse tema com mais rigor do que dedica, por exemplo, à política. Como, em termos de política econômica, as discordâncias da imprensa em geral contra o governo atual são mais de intensidade das ações do que de estratégia, resta menos espaço para especulações e imposição do viés sobre o noticiário.

Além disso, convém considerar que as editorias de Economia e Negócios ainda preservam proporcionalmente maior número de profissionais experientes e especializados do que na seção de Política ou na de Assuntos Gerais. Esses profissionais experientes, repórteres ou editores, conseguem ainda sustentar sua autoridade sobre o material noticioso, mantendo-o de certa forma protegido do opiniário que, de modo geral, contamina tudo o mais.

Expressões produzidas

É certo que as duas crises têm caracrerísticas muito diversas entre si, mas o fato de a atual quebra de confiança dos investidores ter como epicentro a economia americana, ainda o carro-chefe do mercado global, poderia produzir muito mais preocupações do que o que tem sido manifestado pela imprensa. Desta vez percebe-se um extremo cuidado, principalmente dos jornais, em circunscrever a crise ao ambiente do mercado específico afetado pela inadimplência no setor imobiliário americano. Praticamente todos os grandes jornais de circulação nacional e regional publicaram infográficos detalhados sobre o evento, claramente procurando contribuir para evitar o alarmismo.

A imprensa amadureceu nos últimos dez anos? No que se refere ao noticiário econômico e de negócios, parece que sim. Mas também é preciso considerar que não interessaria às empresas de comunicação contribuir para colocar sob risco o atual momento de estabilidade por que passa o país. Como se pode observar há muito tempo, a imprensa não gosta do atual governo, mas aprecia sua orientação econômica.

Há dez anos, a imprensa também apoiava a política econômica da época, mas exatamente no período da crise asiática os jornais vinham fazendo alertas sobre a vulnerabilidade do câmbio, criticando o governo Fernando Henrique por manter uma relação artificial de valorização do real. Hoje, a queixa da imprensa é justamente pela razão oposta – por supostamente o governo não interferir na escalada da moeda nacional frente ao dólar.

A adesão praticamente unânime da mídia ao processo de abertura da economia ao capital transnacional, na década passada, criou expectativas gerais de melhoria da qualidade de vida, que não se confirmaram no curto prazo. Embora, de modo geral, a população tenha se beneficiado pela melhor oferta de alguns serviços, como o de telecomunicações, não resultou das privatizações uma percepção clara de melhoria na infra-estrutura do país – e isso a imprensa deixa explícito ao produzir expressões como ‘apagão’ no setor elétrico, ‘apagão aéreo’ ou ‘caos no trânsito’.

Passar recibo

Alguns analistas consideram que a recente eleição de líderes nacionalistas na Bolívia, na Venezuela e em outros países latino-americanos foi uma resposta da frustração popular às políticas privatizantes da década anterior. Parte desses analistas chegou a chamar o fenômeno de ‘onda vermelha’. Da mesma forma, a imprensa abrigou, em período recente, muitas críticas à diplomacia do atual governo brasileiro, que resistiu às pressões dos Estados Unidos pela criação de um mercado regional centralizado em Washington.

O Brasil escolheu a diversidade de parcerias e, embora ainda tenha, como a maioria dos emergentes, grande dependência do mercado americano, os jornais destacam que essa diversidade de opções é um fator importante para reduzir a vulnerabilidade do país. Mas, por enquanto, nenhum jornal ou revista passou recibo de concordância com aquela insistência numa diplomacia que lhes pareceu, sempre, como mero vício terceiro-mundista.

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Jornalista