Sou de um tempo muito antigo, como vocês sabem, quando a imprensa ainda publicava notícias. No momento em que a própria imprensa vira notícia, como está acontecendo agora na campanha eleitoral, alguma coisa está errada.
‘Em evento, Dilma acusa Folha de parcialidade’, destaca a Folha de S.Paulo, em sua primeira página de terça-feira (21/9).
Manchete do site do jornal O Globo abrindo o dia: ‘Após ataques de Lula, MST e centrais sindicais se juntam contra a imprensa’. Várias entidades do movimento social, informa o jornal carioca, marcaram para quinta-feira (23/9), no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, um ‘Ato contra o golpismo midiático’.
Até os quartéis já entraram na roda. Na mesma quinta-feira, no Rio de Janeiro, foi marcado pelo Clube Militar, tradicional reduto das fardas mais reacionárias, um debate sobre ‘A democracia ameaçada: restrições à liberdade de expressão’. Jornalistas convidados: os democratas Reinaldo Azevedo, da Veja, e Merval Pereira, de O Globo.
‘Má fé’
O clima que se vive neste momento decisivo da campanha presidencial de 2010, a poucos dias das eleições, pode ser resumido no convite para o ato de São Paulo:
‘Conduzida pela velha mídia, que nos últimos anos se transformou em autêntico partido político conservador, essa ofensiva antidemocrática precisa ser barrada’.
A escalada da radicalização, que colocou a imprensa no centro do debate eleitoral – como parte e não apenas testemunha do processo – começou há cerca de quatro semanas, quando as pesquisas mostraram um quadro estabilizado, indicando decisão no primeiro turno, baseada na trilogia de capas do ‘polvo’ da revista Veja e a série de reportagens da Folha para desconstruir a imagem e a campanha da candidata Dilma Rousseff.
O auge se deu no último fim de semana, com o discurso do presidente Lula, num comício em Campinas, em que ele fez seu mais violento ataque à grande imprensa nesta campanha.
‘Nós somos a opinião pública (…) Não vamos derrotar apenas nossos adversários tucanos. Vamos derrotar alguns jornais e revistas que se comportam como partido político e não têm coragem de dizer que são um partido político’.
Na segunda-feira (20), no Rio, a própria candidata Dilma, acusada pelo jornal de favorecer uma empresa em 1994, também perdeu a paciência com a Folha e partiu para o ataque: ‘Eu queria fazer um protesto veemente contra a parcialidade do jornal Folha de S.Paulo. Eu fui julgada pelo Tribunal de Contas do Estado e todas as minhas contas foram aprovadas (…) A matéria é parcial e de má fé!’, acusou ela, de dedo em riste, em seu primeiro desabafo na campanha.
Clima pesado
Curioso é que, enquanto subia a temperatura no confronto entre o PT e a imprensa, o candidato tucano José Serra se afastava do tiroteio, preferindo apresentar novas promessas ao eleitorado a cada dia. A mais recente foi oferecer o 13º aos beneficiários do Bolsa Família.
Serra já tinha prometido dobrar este benefício e elevar o salário mínimo para R$ 600, além de asfaltar a Transamazônica e construir 400 quilômetros de metrô. Como ninguém da imprensa lhe indagou de onde virão os recursos, caso seja eleito, o candidato parece ter gostado da nova estratégia.
Melhor assim. O clima de beligerância dos últimos dias não contribui para melhorar a nossa democracia nem as nossas vidas. Está na hora de todo mundo baixar a bola e deixar o eleitor decidir com tranquilidade o que ele quer para o futuro do país.
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Em tempo: recebo do amigo Carlos Wagner, repórter gaúcho que é um dos melhores do Brasil, a notícia do lançamento de Os infiltrados – Eles era os olhos e os ouvidos da ditadura‘, da editora AGE. Além de Wagner, os autores são Carlos Etchichury, Humberto Trezzi e Nilson Mariano.
Será no próximo em 30/9, a partir das 19 horas, na Livraria Cultura, do Bourbon Country, em Porto Alegre. Escreve Wagner:
‘Este livro desvenda a trajetória de uma personagem indispensável à sustentação da ditadura militar no Brasil (1964-1985): o agente infiltrado.
‘Vinte e cinco anos depois de cumprida a missão secreta, eles rompem o silêncio a que foram obrigados pela profissão para contar como se introduziram nos movimentos de resistência ao regime autoritário.
‘Pela primeira vez, os espiões revelam como se transformaram em clones daqueles a quem deviam vigiar e sabotar, como estudantes, guerrilheiros, colonos sem terra, políticos, religiosos e sindicalistas. São relatos exclusivos, que agora se incorporam à História do Brasil’.