Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Imprensa pisando nos fatos, distraída…

Teve baixíssima repercussão o resultado da pesquisa feita pelo Ibope a pedido da revista IstoÉ, distribuído à imprensa na quinta-feira (19/1), segundo o qual o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reverte a tendência dos últimos meses e se apresenta quatro pontos à frente do prefeito paulistano José Serra numa eventual disputa presidencial.


O que surpreende no desinteresse da mídia é o fato de que Lula, tendo tocado o fundo do poço em dezembro do ano passado, quando sua possível candidatura à reeleição era considerada um caso perdido, retoma a preferência do eleitorado num patamar historicamente importante. Os 35% das intenções de voto que lhe são atribuídos, contra oponentes cuja receptividade na imprensa tem sido muito mais positiva – como José Serra, Anthony Garotinho, Heloísa Helena e Cristovam Buarque – podem significar que a opinião pública o tenha inocentado ou anistiado das falcatruas que implodiram as lideranças do PT. Nesse caso, estaríamos nós, leitores e telespectadores, merecendo um tanto a mais de reflexão sobre os fatos reais do escândalo político que se arrasta desde junho de 2005.


Outro aspecto que a imprensa nos omite, e que deveria ser melhor analisado, é o índice de votos em branco e nulos declarados – em torno de 10% –, muito baixo se considerarmos que a campanha não começou oficialmente.


É possível que a gravidade dos fatos noticiados tenha antecipado a definição de muitos cidadãos sobre a escolha do futuro presidente da República? É possível que a crueza do escândalo e sua predominância praticamente ininterrupta nas manchetes tenha reduzido a sensibilidade de muitos brasileiros para a questão da ética nos negócios públicos? O resultado da pesquisa teria sido excelente ‘gancho’ para pautas interessantes.


Também seria interessante investigar os caminhos da consulta aos eleitores e as razões pelas quais a revista IstoÉ tentou dissimular a existência de um capítulo destinado a previsões sobre um segundo turno eleitoral, no qual Lula e Serra estariam tecnicamente empatados, com ligeira vantagem para o candidato tucano.


Além disso, e ainda mais instigante, ficam faltando mais informações sobre a inserção, na pesquisa, de perguntas de interesse específico do postulante a candidato à presidência da República pelo PMDB, o ex-governador do Rio Anthony Garotinho, insinuado pelo Estado de S.Paulo. Nem colunistas, nem blogueiros oficiais, que a rigor funcionam como a ‘mão-do-gato’ dos jornais que os adotam para questões controversas, tiveram interesse em avançar sobre o tema.


Preferência mal digerida


Não saiu na imprensa, mas provocou agitação no núcleo de ‘inteligência’ do PSDB, numa semana em que o embate entre Serra e o governador Geraldo Alckmin pela preferência dos tucanos é marcado pela publicação, na revista Época, da reportagem sobre as ligações do governador com a Opus Dei.


A relação de Alckmin com a polêmica prelazia papal, revelada pela revista do Grupo Globo, embora não seja novidade, foi amplificada no ambiente dos tucanos por importantes quadros do partido, oriundos do grupo do falecido governador Mário Covas, que foram afastados da administração paulista nos últimos anos. Um desses tucanos de primeira hora, ex-deputado, garante que a reportagem foi abençoada previamente pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. O ex-presidente tem verdadeiro horror a carolices e mal disfarça seu desconforto em cerimônias religiosas. Além disso, sabe-se de seus princípios quanto à preservação do caráter laico do Estado.


Mesmo tendo desmentido a notícia segundo a qual vem manifestando entre amigos sua preferência pela candidatura de José Serra, os sentimentos de FHC podem ser auscultados através das manifestações de alguns de seus mais íntimos interlocutores. A imprensa poderia tornar mais interessante e informativo o noticiário político se nos trouxesse essas reflexões. O que nos oferece é a óbvia preferência dos deputados tucanos pelo governador, óbvia porque sempre foi assim: quem tem a chave do cofre tem mais amigos.


Em 7 de fevereiro, uma terça-feira, Fernando Henrique Cardoso vai inaugurar a série de palestras intitulada ‘Presidentes da América Latina’, no auditório Simon Bolívar do Memorial da América Latina, em São Paulo. Tucanos de carteirinha que confirmaram presença garantem que vão se postar na fila do gargarejo para melhor interpretar seu discurso. Ganha um doce quem adivinhar qual será a pauta dos repórteres presentes, mas é improvável que entre na pauta alguma pergunta sobre o significado da pesquisa.


A hipótese de Lula ressurgir das cinzas do escândalo também tem sido tema de boas conversas na Federação das Indústrias no Estado de São Paulo, onde as preferências entre os dois postulantes à candidatura tucana são desequilibradas pela longa, íntima e proveitosa amizade entre o governador e o presidente da entidade, Paulo Skaf. A escancarada preferência de Skaf por Geraldo Alckmin não é completamente digerida por muitos líderes empresariais. Por outro lado, em alguns setores começam a surgir preocupações de que uma eventual vitória de José Serra na disputa pelo Planalto venha a provocar uma repentina e importante desvalorização do real frente ao dólar. Adaptados à política cambial vigente há quase dois anos, nem todos são simpáticos a essa possibilidade.


Sem interesse


Os cinco parágrafos imediatamente anteriores foram produzidos com base em três conversas curtas, não mais do que quinze minutos cada uma. Uma conversa por telefone, outra ao vivo e a terceira via internet. Estão alinhados ali alguns pontos que poderiam tornar muito mais interessante a leitura das editorias de política dos nossos jornais e revistas. No entanto, a imprensa deu à última pesquisa do Ibope sobre intenções de voto um tratamento estranhamente distanciado, se compararmos com as pesquisas anteriores, que mostravam Lula despencando ladeira abaixo. Nem mesmo a revelação do ano de 2005 na mídia, a onipresente historiadora Lúcia Hippolito, se dignou brindar-nos com o brilho de seu texto e sua notória perspicácia, a despeito de se tratar de fenômeno instigante nos movimentos da política.


Será que esses 35% são a favor da corrupção, do tipo ‘rouba mas faz’? Será que simplesmente não acreditam que Lula tenha algo a ver com as falcatruas noticiadas? Será que esses brasileiros desconfiam de que nem tudo era o que parecia? Ou será que se consolida na opinião pública a idéia de que o caixa 2 do PT era uma armação do ex-ministro José Dirceu para pavimentar sua candidatura à presidência da República em 2010? Será que a disputa interna no PSDB distraiu seus líderes da oportunidade de se apresentarem como a última reserva moral da política brasileira?


Respostas a essas perguntas, mesmo que colocadas sob a viciada forma do declaracionismo, que já virou estilo jornalístico, provavelmente teriam mantido os leitores um pouquinho mais interessados nos jornais.


Às vezes, dá-nos a impressão de que, como a musa de Orestes Barbosa, a imprensa vive pisando nos fatos, distraída.

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Jornalista