Permitam-me uma fantasia. Se eu fosse dono de algum jornal, passadas as eleições e a vitória de Dilma Rousseff, sugeriria a seguinte manchete: ‘Ainda não acabou’. A grande imprensa brada seu direito de criticar, mas é a mais cautelosa ao se questionar ou a deixar que a questionem. O motivo é claro: ‘o pior pagador é o cobrador’, como sentenciou a avó de um amigo.
O fato é que o Brasil precisa de um terceiro turno para refletir sua imprensa porque nestas eleições ela saiu baqueada: atropelada pelas novidades da internet, agitada com a agonia dos debates pobres e confusa com sua própria identidade o que, de resto, é o mais grave problema e estopim dos demais. Ou a mídia se define ou a definirão. Ou se senta no divã ou será facilmente levada ao sabor dos ventos, ou dos interesses mesquinhos, o que é mais grave do que tufões.
No domingo do pleito, muitos jornais já começaram as retrospectivas do período eleitoral afirmando, entre outras coisas, que os candidatos limitaram-se a um debate pobre, insistindo em questões primárias e esquecendo-se de temas delicados e urgentes, como as reformas. Interessante isso, porque se uma das funções da imprensa é fomentar o debate de tópicos de interesse público – e ela afirma que os candidatos não o fizeram – então, ou Dilma e Serra (para ficarmos no segundo turno) não ligam para a imprensa ou foi a própria imprensa que não conseguiu atingir seu objetivo. Ou a soma dos dois fatores, quem sabe.
Tempo para discussão e reflexão
O fato consumado teve a prioridade na cobertura. As matérias dos jornais limitaram-se quase sempre a uma série de bricolagens de declarações, somente reafirmando o que todos já sabiam desde o dia anterior, a partir da internet. Era mais do mesmo, em um ciclo enfadonho: aborto, meio ambiente, corrupção. Tudo no mais infantil ‘a favor ou contra’, como se isso bastasse para fortalecer a democracia.
Agora começa um novo período que nos levará até o primeiro dia de mandato da nova presidente. Até lá, veremos como a imprensa se comporta, dando pistas do seu rosto para os próximos quatro anos. Voltando ao começo da nossa fantasia, se eu fosse dono de algum jornal, sugeriria que esses próximos dois meses fossem de discussões e reflexões. Quem sabe, com a nova presidente, uma nova imprensa.
******
Jornalista, Recife, PE