Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Inconsistências da imprensa três-em-um

A imprensa brasileira anda com a mente dividida. De um lado, sinais gritantes de melhoria geral na economia. De outro, problemas sociais agudos que resistem ao crescimento econômico. Numa terceira face, uma agenda política rasteira que não encontra protagonistas capazes de elevar seu nível.

Os indicadores econômicos, tudo bem, encaixam-se nos cadernos especializados e eventualmente oferecem até mesmo uma boa manchete. Os problemas sociais, estes rendem sempre uma boa matéria de violência ou um retrato do descalabro, sempre fácil de captar num hospital público, na ‘vida lôca’ das favelas ou nos números da educação pública. A questão política se resolve demonizando o governo e construindo palanques para a oposição, o que é e sempre foi uma prática rotineira da imprensa, neste governo e nos anteriores, salvo hiatos de entediante unanimidade situacionista.

Não nos esqueçamos que, durante parte do governo Fernando Henrique Cardoso, a imprensa agasalhou acusações a figuras públicas, histéricas e muitas vezes sem fundamento, quase sempre alimentadas por militantes do Partido dos Trabalhadores ou procuradores de Justiça simpatizantes ao PT. Durante todo o segundo semestre de 2000, a mídia deu especial atenção aos casos que tinham como figura central o então secretário-geral da Presidência da República, Eduardo Jorge Caldas Pereira. Eduardo Jorge escapou de todas as acusações e processou a revista IstoÉ, que lhe dedicou especial e virulenta atenção durante o período.

Relação escamoteada

Semana passada, a 1ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal condenou o Grupo de Comunicação Três, proprietário da IstoÉ, a pagar indenizações de 100 mil reais a Eduardo Jorge e de 70 mil reais a seu irmão, Tarcísio Jorge. IstoÉ não foi o único veículo da imprensa a publicar denúncias contra o então secretário de FHC e seu irmão, que era presidente da Casa da Moeda. Apenas foi mais insistente e, segundo a Justiça, suas reportagens ‘usaram adjetivos ofensivos e extrapolaram o dever de informar’.

Eduardo Jorge era inocente ou apenas não foi comprovada sua culpabilidade? O senador Renan Calheiros, inocentado por seus pares no Senado, é inocente? O ex-ministro José Dirceu será, afinal, considerado inocente? Lembre-se o leitor que o maior de todos os escândalos desde os eventos que celebrizaram o falecido PC Farias, o chamado caso Banestado, expôs boa parte do PIB brasileiro e dificilmente chegará a um veredicto.

O que se pretende aqui observar é: como os indicadores econômicos, na medida em que satisfazem os parceiros, anunciantes e correligionários, podem inibir o ímpeto moralizador da imprensa. Ou, como as manifestações externas das carências sociais podem definir o quanto a imprensa vai se interessar pelo quadro social em si, ou seja, se a imprensa se interessa de fato pela solução das mazelas sociais ou se apenas se manifesta quando crescem os números da violência ou os casos que agridem seu público preferencial, a classe média alta.

A leitura dos principais jornais e revistas do país mostra, claramente, que o noticiário econômico vem numa caixinha à parte, alienado do noticiário político e das referências à vida cotidiana nas grandes cidades – como se a economia e os negócios nada tivessem a ver com o que acontece na sociedade. Ou como se os resultados econômicos não tivessem relação com decisões políticas. É a imprensa três-em-um, que entende de tudo e não explica nada.

Noticiário político

Essa dicotomia fica muito clara nestes dias, depois que o Executivo baixou as medidas tributárias e de administração orçamentária com as quais pretende compensar a perda de arrecadação com a extinção da CPMF: os jornais e revistas tratam das políticas públicas na editoria de política e dos seus efeitos econômicos nos cadernos de economia e negócios, muitas vezes sem atentar para contradições entre uma seção e outra. Por exemplo, quando uma reportagem alerta para o risco de volta da inflação por conta da explosão de consumo enquanto outra reportagem critica o governo por aumentar o custo do crédito, que irá inibir o consumo.

A respeito de juros e inflação, ouça o comentário do programa radiofônico deste Observatório sobre a entrevista do vice-presidente José Alencar à Folha de S.Paulo – que nenhum jornal, nem a Folha, repercutiu. Ou leia o texto no blog do programa.

A falta de conexão também aparece, embora de maneira sutil, na relação entre políticas públicas e problemas sociais. Os rankings de educação, as denúncias contra o sistema público de saúde, as reportagens sobre violências ocorridas ou originadas nas comunidades mais pobres quase nunca fazem referência à existência ou ausência de políticas públicas adequadas. Essa referência deveria, a rigor, remeter também para o noticiário político, oferecendo ao leitor os panoramas vistos de Brasília: como a legislação atende ou não a essas necessidades, que partidos ou parlamentares apóiam ou obstruem medidas destinadas a corrigir essas mazelas, a quem representam os parlamentares etc.

Conhecimento qualificado

Há uma relação direta entre indicadores econômicos e indicadores sociais. Há uma relação direta entre decisões políticas e indicadores econômicos. Há uma relação direta entre decisões políticas e indicadores sociais. Há fontes de consulta diretas, como o IBGE e sua Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio ou a ‘Síntese de Indicadores Sociais 2007 – Uma análise das condições de vida da população brasileira’, atualizada e disponível aqui. Pesquisadores como o economista Ladislau Dowbor estão disponíveis para ajudar os jornalistas a fazer essa correlação. Dowbor pode ser lido aqui, ou entrevistado na pós-graduação da PUC-SP.

É bom que a imprensa esteja preferencialmente na oposição ao governo, qualquer que seja seu perfil ideológico. Mas esse posicionamento tem que ser embasado na visão das melhores políticas para o país, observadas de um ponto não-partidário e informadas pelo conhecimento mais qualificado possível. Não é isso que se lê.

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Jornalista