A Vale tornou-se em 19 de agosto a maior empresa brasileira em valor de mercado – R$ 254,9 bilhões naquele dia. A Petrobras ficou pouco abaixo, com R$ 253,1 bilhões. A ultrapassagem foi manchete do Valor, no dia seguinte, sexta (20/8), e ganhou destaque em toda a grande imprensa de São Paulo e do Rio de Janeiro.
Mas a ultrapassagem foi apenas um evento espetacular, e talvez de curta duração, no meio de uma história muito mais importante e mais longa. As ações da petrolífera estatal perderam cerca de um quarto do valor desde o começo do ano. As cotações começaram a fraquejar antes disso, quando surgiram dúvidas sobre como seria a capitalização da empresa.
A Petrobras precisa de muito dinheiro para a exploração do pré-sal, um dos maiores desafios técnicos e financeiros de sua história, talvez o maior. Terá de levantar, em pouco tempo, pelo menos uns US$ 150 bilhões para enfrentar a tarefa. O empreendimento pode ser muito lucrativo no longo prazo, mas grandes investidores têm preferido evitar o risco, neste momento.
Dificuldades reconhecidas
A Petrobras atravessa um inferno astral desde as primeiras informações sobre a capitalização. Em um ano, até a semana passada, seu valor de mercado encolheu cerca de R$ 66 bilhões. O drama começou com as incertezas sobre como o governo participará do aumento de capital. Em princípio, a União cederá à empresa 5 bilhões de barris de petróleo do pré-sal, uma riqueza ainda enterrada vários quilômetros abaixo da superfície do mar. Na prática, a União entregará à empresa títulos da dívida, para adiantar sua participação no reforço do capital. A estatal ficará com o petróleo, mais tarde, e liquidará o financiamento recebido na fase inicial.
Até aí, nenhum grande mistério, apesar da aparente complicação. O grande problema está na avaliação dos 5 bilhões de barris. A Petrobras, segundo informações extraoficiais, apresentou avaliações entre US$ 5 e US$ 6 por barril. As cifras da Agência Nacional do Petróleo (ANP), de acordo com as mesmas fontes, ficaram entre US$ 10 e US$ 12. A diferença é enorme e, quanto mais alto o preço de cada barril, maior será o desafio para os acionistas minoritários – hoje detentores, em conjunto, de 60,2% do capital total. A União detém 32,1% e a Bndespar, 7,7%. A maioria das ações com direito a voto pertence ao Estado brasileiro.
A história tem sido bem coberta pelos jornais, com detalhes suficientes para esclarecer o leitor medianamente informado. A hipótese de um novo adiamento da capitalização foi noticiada na semana passada e desmentido pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega. Talvez não haja prorrogação, mas a hipótese foi certamente considerada em Brasília. O limite para encerramento da operação, 30 de setembro, é muito próximo das eleições.
No fim da semana, a ideia de um aumento de participação estatal na Petrobrás já estava em circulação, para o caso de uma contribuição insuficiente dos minoritários. Mas os conflitos entre a empresa e a ANP eram mais amplos. Envolviam também o grau de nacionalização de máquinas e equipamentos destinados à exploração do pré-sal e à produção de petróleo e gás na área. A indústria brasileira, segundo a estatal, será incapaz de fornecer todo o material necessário, pelo menos durante algum tempo. A ANP e o Executivo já reconheceram a dificuldade, mas a questão não está encerrada, como ficou claro em reportagem publicada pelo Estado de S. Paulo na quarta-feira (19/8). Na fase de desenvolvimento do pré-sal, a presença de produtos e serviços nacionais poderá ficar abaixo dos 65% defendidos pelo governo, mas ainda seria preciso definir um número.
Tretas e mutretas
As polêmicas em torno da capitalização têm aparecido com destaque na imprensa internacional. Mas há muito mais especulações sobre o risco do investimento. O desastre com a plataforma da British Petroleum no Golfo do México foi lembrado em matérias sobre o pré-sal, um projeto de exploração e produção em águas muito mais profundas. Além disso, sindicalistas denunciaram más condições de manutenção em plataformas brasileiras.
O assunto deixou de ser especulativo quando o Globo publicou fotos coloridas de equipamentos enferrujados. Sem poder continuar negando o problema, o presidente da empresa, José Sérgio Gabrielli, acabou admitindo: algumas plataformas da Bacia de Campos, segundo ele, ‘realmente estavam feias, com problemas de conservação’. A Petrobras divulgou uma nota sobre o programa de manutenção e negou haver risco para os trabalhadores. Mas as fotos forçaram a empresa a reconhecer a existência de algo fora dos padrões.
As plataformas não foram as únicas coisas feias mostradas pela imprensa na mesma semana. O Valor deu manchete com a tentativa de aumento e de indexação de salários dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do pessoal da Procuradoria-Geral da União. Dois projetos foram enviados ao Congresso, um no dia 12, outro no dia 16, com as propostas de novos benefícios para suas excelências. Os dois textos são iguaizinhos exceto por um detalhe: um se refere ao STF, o outro à Procuradoria. As duas propostas incluem a substituição, a partir de 2012, de leis de reajuste aprovadas no Congresso por atos administrativos assinados pelos chefes do Judiciário e do Ministério Público. Levantada a história, outros jornalistas foram atrás dos detalhes e da reação dos congressistas.
O Brasil Econômico também deu uma boa contribuição para quem quer conhecer um pouco mais da administração pública brasileira. Auditorias da Controladoria Geral da União em cidades com menos de 500 mil habitantes detectaram indícios de fraudes em 95% das licitações. Foram encontradas, entre outras irregularidades, alterações em documentos já assinados e até casos de editais de concorrência sem divulgação.
Valeu a pena, ultimamente, gastar dinheiro com mais de um jornal.
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Jornalista