O jornal britânico The Guardian (http://www.guardian.co.uk/) resolveu deixar de lado a imparcialidade e entrou de sola na campanha eleitoral americana ao incentivar seus leitores ingleses a pressionarem os eleitores indecisos no estado de Ohio a votar no candidato democrata John Kerry.
A inédita iniciativa do jornal inglês causou surpresa nos meios jornalísticos europeus, onde as opiniões estão muito divididas a respeito da ‘Operação Condado de Clark’ (Operation Clark County – http://guardian.assets.digivault.co.uk/clark_county/). A maioria dos grandes jornais europeus simpatiza com a candidatura de John Kerry, mas evita qualquer associação pública à iniciativa do The Guardian. Alguns como o também britânico The Times acharam que o seu competidor ‘foi longe demais’.
Jornal de tendência liberal, The Guardian invocou a Declaração da Independência norte-americana para justificar a necessidade de tomar partido numa eleição que segundo a publicação, ‘deixou de ser um assunto exclusivamente americano pelas vastas implicações que o pleito tem para o resto do mundo’. A Declaração de Independência, que marcou a separação da Inglaterra em 4 de julho de 1776, enfatiza a necessidade dos cidadãos norte-americanos apresentarem ‘um sincero respeito pelas opiniões da humanidade’.
O lobby inglês no Condado de Clark (http://www.co.clark.oh.us/) procura influenciar os eleitores indecisos num dos estados norte-americanos onde a diferença entre Kerry e Bush é muito pequena. Como a escolha dos presidentes da República nos EUA é indireta, o candidato que vencer em Ohio e noutros estados indefinidos eleitoralmente – como Novo México, Iowa, New Hampshire e Arkansas – conquistará o número suficiente de delegados estaduais no Colégio Eleitoral para indicar o próximo inquilino da Casa Branca.
Advocacy
eleitoralNas eleições presidenciais de 2000, Bush teve apenas 1% de votos a mais do que Al Gore, no condado de Clark. A mesma diferença continua hoje, embora as previsões indiquem que a situação pode se inverter graças ao registro de novos eleitores, especialmente os jovens de ascendência africana.
O The Guardian selecionou eleitores que se declararam indecisos em Clark (onde estão registrados 35 mil eleitores) e colocou a lista à disposição de ingleses interessados em ajudar os democratas americanos a derrotar George W. Bush. As mensagens contém um texto preparado pelo jornal mostrando como os demais países do mundo serão afetados pelo desenlace das eleições presidenciais nos EUA.
Há inclusive instruções precisas, como:
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Seja cortês. Lembre-se de que é inusitado receber uma carta de um cidadão estrangeiro fazendo lobby eleitoral. Imagine como você reagiria recebendo uma carta de Ohio pedindo para votar em Tony Blair (líder dos trabalhistas britânicos) ou Michael Howard (líder do Partido Conservador).**
Evite idéias preconcebidas sobre o eleitor ao qual você está escrevendo. Os nomes de eleitores foram retirados de listas públicas.**
Explique porque ele deve dedicar um minuto de atenção às preocupações de estrangeiros sobre as eleições americanas. Lembre-se a simpatia funciona mais do que a provocação.**
Cada leitor inglês só pode enviar uma carta ou mensagem para eleitores americanos, no condado de Clark.A estratégia do jornal é tentar mobilizar os britânicos de origem africana a escrever para os afro-americanos em Ohio, porque este segmento da população pode definir o resultado das eleições locais bem como noutros estados sem preferência claramente definida por um dos dois candidatos.
Trata-se de um dos primeiros casos de um jornal de circulação nacional num país ocidental, do quilate da Inglaterra, assumir um papel ativo na campanha eleitoral de um potência mundial, como os Estados Unidos. É a chamada advocacy eleitoral, uma ferramenta exclusiva até agora dos partidos políticos americanos e que está sendo agora usada também por estrangeiros assustados com os resultados da administração Bush.
Eleição globalizada
Além de mensagens pessoais a eleitores indecisos, a campanha organizada pelo The Guardian escolheu como alvo jornais de Ohio, especialmente o Springfield News-Sun (http://www.springfieldnewssun.com), que recebe uma média diária de dez cartas de leitores ingleses contrários a George W. Bush.
O matutino inglês é o mais audaz de um grupo de 12 grandes jornais de todo o mundo (http://www.guardian.co.uk/uselections2004/viewsofamerica) que optaram pelo apoio aberto a John Kerry, numa decisão também inédita na imprensa mundial. Entre esses diários estão o francês Le Monde, o canadense La Presse, o israelense Haaretz, o espanhol El País, os australianos The Age (de Melbourne) e Sydney Morning Herald, o sul-coreano JoongAng Ilbo, o japonês Asahi Shimbun, o russo Moskovskie Novosti e o mexicano Reforma.
A aliança de jornais mostra como a eleição americana se globalizou e os quase mil leitores ingleses que aderiram à ‘Operação Condado de Clark’ revelam como setores da opinião pública mundial estão dispostos a interferir na sucessão presidencial no país mais rico do mundo. Antes que seja tarde demais.
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Jornalista e pesquisador de mídia eletrônica; e-mail (ccastilho@gmail.com)