Esta semana a mídia praticamente esqueceu o caso Isabella Nardoni. A bola da vez se tornou Ingrid Betancourt, franco-colombiana libertada das FARC (ou pelas FARC).
A super-exploração da personagem Betancourt pela mídia é evidente. Seu nome é citado 4.070.000 vezes na internet, isto para a data de 7/7/2008, num único site de buscas (o google).
Existem centenas de outros reféns nas mãos das FARC. Eles sofreram tanto quanto Betancourt. Na verdade, neste exato momento eles sofrem mais do que ela, porque eles estão cativos e ela está livre, leve, solta – e nos braços da mídia mundial.
Os nomes dos reféns que estão cativos são desconhecidos dos brasileiros. Se houvesse uma lista faria a checagem para descobrir quantas vezes eles são citados na web. Mesmo não tendo condições de fazer isto, duvido muito que a soma total de referências aos nomes dos reféns miúdos chegue a 1/10 das citações de Betancourt.
Apesar de estarmos em pleno século 21 e vivermos numa democracia em que todos são iguais perante a lei (e, por decorrência, perante a imprensa), parece que a mídia não consegue se livrar de seus preconceitos senhoriais. Os jornalistas só dão atenção àqueles que já são privilegiados em razão de sua situação familiar, financeira ou política.
Natureza senhorial
A exposição continuada de Betancourt e a absoluto desinteresse em relação aos demais reféns (como se eles também não fossem seres humanos e tivessem direito a história) não me causa estranhamento. Trata-se da consolidação de uma ‘jurisimprudência’ muito antiga e comum.
Em relação às vítimas da ditadura militar brasileira ocorre o mesmo. Ainda hoje a imprensa só fala de alguns perseguidos (Vladimir Herzog, por exemplo). A grande maioria dos militantes que amargou nas mãos dos militares, porque não tinha como fugir ou não merecia ser colocada num avião em troca de um embaixador, raramente é mencionada. As histórias das vítimas miúdas são menos tristes?
Triste mesmo é a natureza senhorial da imprensa. Betancourt já está livre e desfruta seu momento de glória. Os demais reféns das FARC continuam presos e esquecidos. Tão esquecidos quanto aqueles que freqüentaram contra vontade os porões da ditadura no Brasil. Quando a imprensa brasileira se tornará menos mais demagógica?
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Advogado, Osasco, SP