Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Interatividade virá, mas o prazo ainda é incerto

Começou no domingo (2/12) – na região metropolitana de São Paulo – uma nova etapa na implantação do sistema digital de transmissão de TV no país. Os comerciais veiculados nos canais abertos têm vendido muito bem – e estimulado o consumo – a idéia sobre a alta definição da imagem e o som de ‘cinema’. Informam também que, no futuro, a ‘nova televisão’ será interativa para beneficiar o telespectador.

A tal ‘interatividade’ realmente deve ser discutida, mas de forma mais detalhada. Não se deve ficar encantado apenas com o tecnológico e esquecer o sócio-cultural. Interatividade ou interação, como define o dicionário Aurélio, é a ‘ação que se exerce mutuamente entre duas ou mais coisas, ou duas ou mais pessoas’. Os brasileiros interessados no assunto devem estar curiosos para saber como e até que ponto se desenvolverá essa comunicação de mão dupla. A partir da recepção digital em nossos aparelhos de TV, poderemos acessar contas bancárias, fazer compras em supermercados virtuais, receber e enviar e-mails, marcar consultas médicas, interferir nos desfechos das novelas, entre outras maravilhas.

O cidadão também poderá acessar – na hora em que bem entender – o seu programa favorito, inaugurando a Era da Informação por Encomenda, o que, obviamente, exigirá dos publicitários e das emissoras uma mudança drástica no velho esquema de comerciais veiculados nos intervalos. Afinal, quem encomendará um programa de TV acompanhado por um pacote de comerciais? A tendência é de que a veiculação de programas em tempo real seja cada vez menor.

Há anos, as mesmas fórmulas

Dentro de alguns anos, a previsão de Nicholas Negroponte será verdadeira também para a televisão no Brasil. O fundador do Media Lab, o laboratório do Massachusetts Institute of Technology, nos Estados Unidos, disse que os meios de comunicação de massa evoluirão e se transformarão em um canal personalizado, no qual a informação circulará nos dois sentidos, e não mais no modelo tradicional, onde a mensagem sai de ‘um’ para ser transmitida a ‘todos’, como ocorre no padrão analógico.

Há, porém, muito mais do que conforto, diversão, qualidade de imagem e som que serão oferecidos pela TV digital. A nova tecnologia poderá proporcionar aos brasileiros de menor poder econômico a chance de ter acesso a bibliotecas virtuais e ferramentas que trabalharão o conhecimento e a cultura por meio de canais de tele-educação. Para isso, porém, toda a população deverá ter condições de utilizá-la e não somente os que podem pagar. É bom lembrar que a população do país tem um vínculo muito forte com a televisão e que o aparelho está presente em cerca de 91% das residências, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

A partir da implementação da TV digital, o número de canais existentes poderá ser multiplicado, permitindo que se abra um novo espaço para produtores de conteúdo audiovisual. Eles poderão, inclusive, ter incentivo do poder público favorecendo os brasileiros para que assistam a uma ‘televisão aberta’ com mais opções e fujam de certos programas que repetem há anos as mesmas fórmulas.

Nada exatamente como previsto

A dúvida, agora, recai sobre quando os brasileiros terão tal dispositivo e se o mesmo será democraticamente disponibilizado. Já se sabe, por exemplo, que os set up boxes, caixinhas que converterão o sinal atual para o digital, custarão no mínimo 700 reais nesta primeira fase, mas, como sempre ocorre com a tecnologia, os preços devem cair. O ministro das Comunicações, Hélio Costa, já fala em um preço próximo aos 200 reais. E quando houver a interatividade, será que teremos a ‘caixinha’ do pobre e a do rico: dará direito a todas as maravilhas digitais ou somente ao som, imagem e alguma migalha a mais para fechar pacotes vendáveis? Ainda é cedo para responder com certeza.

Na quinta-feira (29/11), durante a entrevista coletiva do ministro Hélio Costa – que acompanhei pela internet –, ele lembrou que não há interatividade plena na Europa e nem nos Estados Unidos. ‘Aqui’, disse o ministro, ‘estamos engatinhando, neste sentido.’ Costa pediu ‘paciência’ e informou que o primeiro passo será por meio da linha fixa de telefone, que poderá ser ligada a uma ‘caixinha’ conversora popular. O governo federal prepara o Brasil para dotar cada cidade com internet de alta velocidade e, com isso, chegar à interatividade plena com olhos voltados para a educação. ‘Nós queremos a interatividade como instrumento de educação à distância (…). Se tivermos isso dentro de um ano, teremos condições de fazer, sim, a interatividade da TV digital já na terceira etapa, já no sistema sem fio, quem sabe, ou via internet’, defendeu. Cuidadoso, no entanto, o ministro não fixou datas.

O decreto, assinado em 2006 e que define como será a transição entre os sistemas, estabelece prazo de dez anos para o encerramento das antigas transmissões analógicas. Entretanto, tratando-se de Brasil, não dá para se ter certeza sobre o cumprimento de tais metas. Mesmo em países onde o processo de substituição analógico-digital está mais avançado, as coisas não saíram exatamente como previam os governos. Só para citar exemplos mais distantes, na Coréia do Sul o governo quer garantir que todas as famílias tenham acesso à nova tecnologia antes de decretar o fim do sinal analógico de TV. O Japão, por sua vez, anunciou que estaria ‘digitalizado’ em 2006, mas, há um ano, somente metade dos aparelhos de TV nipônicos eram digitais.

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Jornalista e professor da Universidade de Santo Amaro (Unisa), São Paulo, SP