Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Internet, papel, TV e agora o rádio

A mídia desempenha uma função social maravilhosa. E uma função política capital. Nas ditaduras, quando tem compromisso com a liberdade, serve como canal para que aflorem os sinais de descontentamento. Nas democracias, quando enxerga um pouco além do próprio nariz, faz contraponto ao coro dos contentes.


Mas os meios de comunicação não são uma força da natureza. São realizações humanas que precisam ser constantemente melhoradas.


O Observatório da Imprensa foi criado há nove anos para dar uma contribuição específica ao processo de aprimoramento constante do jornalismo. Somos jornalistas que procuram ler, ouvir e ver as notícias do ponto de vista do leitor comum. Avaliar como o trabalho do profissional da imprensa vai para a sociedade. O DNA do OI está nas redações de onde saímos. A iniciativa atual nasceu em salas de debate, na Unicamp, migrou para a internet, teve edições impressas, foi para a televisão e agora chega ao rádio na Cultura FM de São Paulo, de segunda a sexta-feira, às nove da manhã.


O animador desta instituição multimídia foi Alberto Dines, o pioneiro da crítica da mídia no Brasil.


Dines foi durante doze anos, entre 1962 e 1973, o editor do Jornal do Brasil, na época o mais influente diário brasileiro. Ele herdou uma reforma editorial e gráfica espetacular feita na década de 1950 e desenvolveu-a com grande criatividade.


O selo da modernidade


Fui repórter do JB entre 1968 e 1970. Eu fazia a cobertura de vários serviços públicos do então Estado da Guanabara, entre eles o Departamento de Trânsito. Um belo dia, acompanhei um dos editorialistas do JB ao Detran, na Secretaria de Segurança Pública, para resolver um problema burocrático. Jornalista no Brasil sempre deu ‘carteirada’.


O editorialista era Antonio Callado, a quem eu admirava sobretudo como autor de reportagens sobre a Guerra do Vietnã. Fomos caminhando da Avenida Rio Branco até a Praça Tiradentes, coisa de vinte minutos.


Eu era repórter do JB mas grande aficcionado do Correio da Manhã, jornal onde, entre muitas outras atrações, Carlos Drummond de Andrade publicava suas crônicas. Eu era adversário da ditadura. O Correio da Manhã apoiara o golpe de 1964 mas logo depois passara para a oposição. O JB não estava na oposição, embora abrigasse nichos oposicionistas. Perguntei ao Callado por que ele tinha trocado o Correio pelo JB. ‘Troquei o capitalismo do século 19 pelo capitalismo do século 20’, respondeu sociologicamente.


Primeiras páginas para a História


O JB era a modernidade e Alberto Dines era o JB encarnado. No dia do AI-5, o golpe dentro do golpe, 13 de dezembro de 1968, o jornal foi para a oposição com uma primeira página de resistência que virou item de antologia.


Mas ainda se veria algo ainda mais surpreendente: a primeira página de 12 de setembro de 1973, noticiando a derrubada de Salvador Allende no Chile. Se Dines só tivesse criado essa capa sem manchete, se não tivesse produzido mais nada, teria entrado para o panteão do jornalismo como autor de um dos feitos mais extraordinários da história da imprensa brasileira.


Crítica com a mão que faz a massa


Dines foi demitido de forma sumária e traumática. O JB perdeu seu grande editor, mas a imprensa brasileira ganharia um crítico que não inventava teorias para compensar o desconhecimento do processo jornalístico; um crítico a quem não era possível dar desculpas esfarrapadas, porque conhecia como poucos o ofício. E não precisava mais ter como referenciais seus próprios pares. Vestiu a camisa do público leitor no ‘Jornal dos Jornais’, coluna dominical que publicou na Folha de S. Paulo entre 1975 e 1977. Inaugurou ali o media watching brasileiro.


Comprar o jornal de manhã


Há alguns meses, Dines foi convidado a fazer um programa do Observatório da Imprensa na Rádio Cultura FM. Convidou-me, com a aprovação da equipe que dirige o OI, para assumir a tarefa.


Começa nesta quarta-feira, 4 de maio.


De forma transparente, explico o que vou tentar fazer.


Acordar de madrugada, ler o mais que puder dos jornais e recortar tópicos que sejam exemplificativos de problemas relevantes do jornalismo brasileiro. As pontas do iceberg, na definição do Dines.


O programa, para ser editado, deve ser gravado e enviado para a rádio até as oito da manhã. Nos fins de semana chegam as revistas. Não há tempo para pesquisas extensivas ou intensivas. Farei o que faz o leitor típico: sobrevoar os jornais dando um ou outro mergulho segundo a relevância do tema ou o interesse pessoal. Terei as mesmas dificuldades de apreensão que qualquer um tem.


Buscarei o novo. Como diz aquele partido-alto que Clementina de Jesus cantou: ‘Moro na roça, iaiá / Eu nunca morei na cidade / Compro o jornal da manhã / Pra saber das novidades’.


No caso, os novos problemas, dilemas, cacoetes.


Nunca mais do mesmo jeito


A crítica da mídia não é uma tarefa difícil por causa do espírito de corpo que existe no jornalismo, como em outras profissões. É difícil porque sabemos que toda a tarefa jornalística é trabalhosa, mesmo quando resulta em equívoco. Para fazer uma grande bobagem pomposa se gasta muito tempo (dinheiro) e energia, especialmente nos veículos impressos e na televisão. É preciso planejar, pesquisar, apurar, escrever, fotografar (ou filmar), editar, publicar.


Mas nossa missão neste Observatório não é fazer sala ou conquistar simpatias. É deixar falar nossas consciências e nossa experiência profissional. Em benefício do leitor, telespectador, ouvinte. Categoria que inclui os jornalistas.


Só tenho certeza de uma coisa: eu nunca mais vou ler jornal do mesmo jeito.




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O programa radiofônico do Observatório da Imprensa tem duração cinco minutos e será transmitido diariamente, às 9h, pela Rádio Cultura FM (103,3) de São Paulo, e, proximamente, pela Rádio MEC FM (98,9), do Rio. Os arquivos de áudio estarão disponíveis nas edições online do OI.