Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Isenção ou identificação?

O que os leitores querem: um jornalismo que busque o máximo de isenção ou um espelho daquilo que pensam?

Há muito já sabemos que imparcialidade não existe nem em sentença judicial, quanto mais na produção diária de notícias. A crítica aos jornais deve também passar por uma crítica de consciência do leitor. Não basta acusar a ausência de imparcialidade das mídias jornalísticas, o que é importante, pois deve-se ir além. A busca pela imparcialidade está hoje mais na capacidade do leitor de buscar diferentes narrativas factuais e pontos de vistas entre as inúmeras fontes e formas de acesso trazidos pela era digital do que pela ação editorial dos jornais que, como já sabemos, nunca foram capazes de tal feito.

Anteriormente considerado um produto altamente perecível (o que as bancas de jornais não vendiam até o fim do período da manhã estava fadado ao encalhe), os jornais agora são reverberados pelos leitores através das redes sociais, durante o dia todo e, muitas vezes, pelos dias subsequentes (no último caso, o que importa não é a novidade da notícia em si, mas a capacidade de permitir passar a ideia que o leitor tem sobre o mundo ou seus problemas).

Cada vez menos o editor tem controle sobre o impacto do que é publicado. Segundo a Reuters, o brasileiro é o que mais consome notícias por redes sociais (70%) e o que mais comenta (44%). Uma notícia ou artigo em local de pouco destaque em um jornal pode ser compartilhado quase infinitamente, ganhando uma visibilidade antes impensada editorialmente. O 4º poder está mudando e isso deve-se muito à forma pela qual o leitor se relaciona com as notícias.

A pluralidade se esvai nos editoriais e nos artigos de opinião

Para repercutir uma mesma forma de pensamento vale qualquer coisa. De Joselito Müller a Diário Pernambucano, conhecidos por inventarem notícias falsas, são reproduzidos nas redes sociais como verdades desde que o artigo ou “notícia” tenha a mesma linha de pensamento de quem compartilha, o que, para muitos, parece ser o suficiente para ser verossímil.

Nesse ínterim, notícias sem qualquer relação com a verdade, como o gasto de milhões pelo Ministério da Cultura para a produção de uma estátua com mulheres seminuas em homenagem ao funk, tampouco com um discurso minimamente verossímil, como a instituição do bolsa-prostituta que daria dois mil reais ao mês para as mulheres que deixassem esta profissão,

Os grandes jornais de hoje não vivem só de novidades. Os artigos de opinião têm a capacidade de se aproximar do leitor (não necessariamente dialogar) e fogem da perecividade comum às notícias. Estas últimas servem, no entanto, como combustível para novos artigos opinativos, originais ou não, de qualidade ou não, repetitivos ou não. O número de artigos de opinião é quase tão grande quanto o noticiário. Basta ir a jornais como Folha de S.Paulo, Estadão e O Globo para perceber isso. Vendem, inclusive, a ideia de que essa pluralidade é sinônimo de isenção. Mas quem lê Guilherme Boulos, lê Kim Kataguiri?

A maioria dos articulistas conversa com um público específico, dado à reprodução de seus artigos nas redes sociais, pequenos sites, blogs ou demais páginas digitais, como música de uma nota só, repetitivamente, exaustivamente. Tal “pluralidade” defendida pelos jornais serve menos como análise dos fatos e mais como marcador de determinados pontos de vista ou ideologias compartilhadas por certos grupos de pessoas.

Nos pequenos portais de notícias, a pluralidade se esvai tanto nos editoriais, nos artigos de opinião, como nas notícias que produzem e reproduzem, geralmente contra ou a favor de alguma coisa. De Brasil 247 à Folha Política, quem entra lá sabe exatamente o que vai encontrar. Funcionam como as reprises dos programas e desenhos infantis – muitas vezes fantasiosos –, que não cansam as crianças mesmo sendo repetidos e repetidos indefinidamente, sem apresentar novidades no enredo. Diz a psicologia infantil que isto está ligado à capacidade das crianças de terem controle sobre o que veem. Sem surpresa, sabem, de antemão, que o rato dará um jeito de escapar do gato até final do episódio e que tudo acabará como deve acabar: sem sustos. O mesmo comportamento parece permanecer em muitos leitores, já adultos.

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Alexandre Marini é sociólogo e professor