O ministro José Dirceu gosta da imprensa. Diz que "sem a mídia brasileira, o Brasil não é nada". Ele não gosta é de jornalistas que o pressionam – e pode ter, ou não, bons motivos para isso.
O que ele não pode, em qualquer hipótese, é se prevalecer da relação inerentemente desigual que se estabelece entre entrevistado e entrevistadores, na maioria esmagadora das vezes – ainda mais quando o primeiro é uma autoridade do calibre do "capitão do time" de Lula – para dizer que um deles dá prova de "mau-caratismo" e que os colegas que o cercam "são um bando de mal-educados".
Gente civilizada, para não falar em gente de esquerda – e o titular da Casa Civil se orgulha de ser uma coisa e outra – deve morder a língua para não humilhar ou ofender, mesmo tendo razões para tanto, quem não pode devolver a humilhação ou a ofensa, muito menos na mesma moeda.
A impropriedade – alguns diriam truculência – do ministro foi provocada por uma daquelas "cenas de jornalismo explícito", na imbatível definição do repórter e colunista Clóvis Rossi, quando os caçadores de notícias cercam, empurram, acotovelam e pisam nos pé da caça, em meio a uma cacofonia de perguntas que a vítima mal consegue discernir, quanto mais responder.
O vexame ocorreu no dia 22, em São Paulo, antes e depois de o titular da Casa Civil participar de um seminário promovido, ironicamente, por uma emissora jornalística, a GloboNews.
O que primeiro enfureceu o ministro foi o repórter do Globo perguntar se ele tinha estado em Brasília com o seu antigo assessor dos anos 80, na Assembléia Legislativa paulista, Rogério Tadeu Buratti – aquele mesmo.
"É isso que não pode, está vendo?", explodiu Dirceu. "Eu já disse que não tive relação com ele na década de 90, mas a má-fé, o mau-caratismo leva a esse tipo de pergunta." E passou sal na ferida do repórter cujo caráter obviamente não pode ser deduzido da indagação que fez. "Você faz a pergunta e eu respondo: é má-fé, é mau caratismo".
Por mais alterado que estivesse, o ministro decerto sabia que o entrevistador não poderia lhe dar o troco – a menos que se expusesse a ficar sem emprego.
Depois, ao ir embora do local do evento, apertado pela segurança e assediado – fisicamente – pelo reportariado, Dirceu fez questão de se distinguir da chusma de portadores de gravadores, microfones e blocos de notas. "Sou uma pessoa educada", começou. E terminou, como quem talvez não o fosse: "E ainda por cima são um bando de mal-educados."
Três vezes este leitor já se viu na desconfortável obrigação de usar o espaço que lhe concede o Observatório para desancar os maus modos da turma da mídia. A saber:
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Em janeiro de 2002, ao citar a reação de uma repórter de Brasília que abordou o então presidenciável José Serra, quando ele acabara de entrar num carro. Ele abaixou o vidro e avisou que não iria dar entrevista. E ela retrucou, petulante: "Assim o senhor não vai se eleger."**
Em abril do mesmo ano, ao registrar que dos sete jornalistas que entrevistaram o candidato Lula no programa Roda Viva, da TV Cultura de São Paulo, só dois, além do apresentador, chamaram-no de "senhor". Para todos os demais, era "você" pra cá, "você" pra lá.**
E em outubro, por fim, ao comentar a inconsistência e a inadequação de várias perguntas dirigidas ao mesmo Serra, na sabatina a que o Estadão submeteu os candidatos. Uma delas produziu uma situação parecida com a que levou Dirceu a falar em mau-caratismo:"Jornalista – Muita gente aí está achando esquisito o senhor ter apoiado o plebiscito da CNBB, que defendeu a posição de que o Brasil ficasse de fora nessas negociações com a Alca. Como é que é isso?
Serra – Acho esquisito alguém ter dito que eu apoiei o plebiscito. Haja desinformação…
Jornalista – Ontem mesmo um dos mais importantes assessores econômicos do PT, que é o Guido Mantega, afirmou categoricamente que quem apoiou o plebiscito da CNBB foi o José Serra.
Serra – Acho inacreditável que você ache que eu estava no plebiscito porque o Guido Mantega disse. Tenha paciência!
Jornalista – Não é porque o Guido Mantega disse…
Serra – Ah, tenha paciência! Imagina."
De qualquer forma, o tucano, que não raro chega a ser tão ou mais bicudo do que o ministro e que, em privado, se refere a certos jornalistas com as palavras mais pesadas, guardou-se de atribuir a torta pergunta à eventual má-fé de quem a fez. Ficou no limite da exasperação, como convém a quem sai na chuva.
Repórteres em alcatéia tendem a ser mal-educados. Alguns deles, sozinhos ou em grupo, deixam à vista o seu despreparo. Outros se comportam como maus-caracteres.
O ministro José Dirceu, que conhece o gênero de há muito, sabe o que o espera sempre que se vê cara a cara com o pessoal, ainda mais nestes tempos de Waldogate. Um motivo extra, portanto, além da boa educação de que faz praça, para não agir da forma prepotente como agiu.
Em tempo: salvo engano pelo qual este leitor se desculpa de antemão, nenhum sindicato ou associação de jornalistas protestou contra o mau comportamento do ex-presidente do PT.
Lula, em versão incompleta
Franklin Martins é um jornalista sério e íntegro. Exatamente por isso não deveria ter deixado a impressão de ser porta-voz do presidente da República ao relatar no Jornal Nacional da Rede Globo, respondendo às perguntas dos apresentadores Fátima Bernardes e William Bonner, o que teriam sido os melhores momentos do encontro que teve com Lula na quinta-feira passada.
Impressão de porta-voz porque, se apertou o presidente na entrevista, o público não ficou sabendo, a julgar pelo que Martins disse no ar. E se apertou e depois não contou como Lula se saiu, tanto pior.
Segundo o jornalista, o presidente disse que o governo fez o que tinha de fazer quando tomou conhecimento do vídeo que incriminava Waldomiro Diniz. "Li a reportagem com a denúncia às 10h30 e ao meio-dia o sujeito estava demitido e a investigação aberta", defendeu-se Lula. "O resto é com o Congresso."
Não se sabe se Martins perguntou ao presidente se não é verdade que o governo impediu o Congresso de fazer "o resto", ao comandar a operação-abafa da CPI dos Bingos. [Finalizado às 21h56 de 29/3]