Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Jornais, classe média e redução da miséria

A Associação Mundial de Jornais (WAN) divulgou recentemente os resultados de sua pesquisa anual sobre o comportamento da indústria de jornais. Embora a circulação global de jornais pagos tenha crescido (2,7%) em 2007, ela vem caindo sistematicamente tanto na União Européia (5,91%) quanto na América do Norte (8,05%), nos últimos cinco anos. Por outro lado, a circulação cresceu na América do Sul (6,72%) e, em particular, no Brasil, que lidera não só o crescimento anual (11,80%) como o crescimento dos últimos cinco anos (24,93%).

[O relatório completo da pesquisa não está disponível gratuitamente. O longo release de sua divulgação, no entanto, pode ser acessado no original em inglês ou na versão em português.].

É interessante observar que os dados se referem apenas a jornais pagos, não estando incluídos nem os jornais gratuitos nem os jornais online. Em algumas regiões, a introdução de um e/ou de outro pode alterar completamente os resultados. Por exemplo: jornais gratuitos somam quase 7% de toda a circulação mundial e 23% apenas na Europa. Se combinada com jornais gratuitos, a circulação na União Européia aumentou 2% em 2007 e 9,61%, ao longo dos últimos cinco anos. Já nos EUA, a audiência dos jornais cresceu 8% quando se combina impresso e online, em 2007.

Primeira lição: esses números devem servir de advertência para os riscos da transposição automática de resultados de pesquisas sobre consumo de jornais em países da Europa e/ou nos Estados Unidos e aplicá-los ao Brasil (o que, infelizmente, ainda acontece com certa freqüência). A ‘fase’ que vivemos – em relação aos jornais pagos, gratuitos e online – é muito diferente da que se vive nesses países.

Como explicar o aumento da circulação de jornais no Brasil?

Matéria publicada no Estado de S.Paulo (‘Circulação de jornais cresce 8,1% no semestre’, edição de 4/8/2008) dá conta de que a circulação dos 103 jornais pagos associados ao Instituto Verificador de Circulação (IVC) cresceu 8,1% no primeiro semestre de 2008, em relação ao mesmo período de 2007. Os novos dados do IVC confirmam também o crescimento dos chamados ‘jornais populares’, isto é, aqueles destinados às classes C e D.

O Estadão informa que os 30 maiores títulos do país são responsáveis por mais de 80% da circulação total e que, nesse grupo, destacam-se exatamente os ‘jornais populares’. Dentre eles, o crescimento mais espetacular foi do mineiro Super Notícia: no primeiro semestre de 2007, tirava uma média de 179.981 exemplares/dia e no mesmo período deste ano chegou a 301.362 – isto é, um aumento de circulação de 67%.

Se ainda existia alguma dúvida, duas pesquisas divulgadas no dia na terça-feira (5/8) ajudam indiretamente a compreender o que vem ocorrendo no mercado brasileiro de jornais.

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) divulgou o estudo ‘Pobreza e riqueza no Brasil metropolitano’ – que se apóia em pesquisas do IBGE, a Pesquisa Mensal de Emprego (PME) e a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizadas nas seis principais regiões metropolitanas do país entre 2002 e 2008. A constatação foi de que cerca de 3 milhões de pessoas deixaram a situação de pobreza no período, isto é, passaram a ter renda per capita superior a meio salário mínimo por mês. Isso significa uma redução da pobreza de 32,9% da população em 2002 para 24,1%, em 2008 (disponível aqui).

Por outro lado, o Centro de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas divulgou os resultados de um levantamento feito com base na PME do IBGE nas mesmas seis regiões metropolitanas, no período de abril de 2002 a abril de 2008 – ‘A nova classe média’ (disponível aqui). Verificou-se que, nos últimos 6 anos, 19,5 milhões de brasileiros passaram a fazer parte da classe média, isto é, aquele grupo com renda domiciliar per capita entre R$ 1.064 e R$ 4.591. Hoje, esta nova classe média já inclui 51,89% de todos os brasileiros (contra apenas 42,82%, em 2002).

Entre as seis regiões metropolitanas estudadas, quatro estão acima da média nacional (51,89%): São Paulo (54,68%), Belo Horizonte (53,9%), Porto Alegre (53,67%) e Rio de Janeiro (52,42%). A capital de Minas Gerais foi a que mais reduziu a miséria no período (menos 40,8%).

Não deve, portanto, ser mera coincidência que o ‘popular’ Super Notícia tenha aparecido em 2004, custe 25 centavos e venda mais de 300 mil exemplares/dia exatamente na região metropolitana de Belo Horizonte.

Dimensão escrita do espaço público

Em artigo publicado neste Observatório (‘Imprensa Brasileira, 200 anos: História de continuidade e de ruptura‘, edição nº 488), argumentei que existe uma relação entre o aumento de circulação dos ‘jornais populares’, a diminuição da pobreza e a expansão da classe média. Além disso, lembrei que, apesar de ainda existir espaço para casos policiais, os ‘jornais populares’ se voltam hoje para pautas como serviço público, direito do consumidor, entretenimento, trabalho, saúde, transporte e educação. Uma espécie de ‘serviço para a cidadania’.

Todo esse processo, na verdade, é conseqüência de muitas mudanças, algumas silenciosas, que vêm ocorrendo no nosso país nos últimos anos.

A inclusão de parcelas significativas da população brasileira que historicamente estiveram ausentes da dimensão escrita do espaço público criado e reproduzido pela grande mídia é, certamente, uma dessas conseqüências.

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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor/organizador, entre outros, de A mídia nas eleições de 2006 (Editora Fundação Perseu Abramo, 2007)