O depoimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva concedido ao juiz Sérgio Moro na última quarta-feira (10) foi objeto de diversas matérias na imprensa francesa, sobretudo nos jornais de grande circulação nacional, como o Le Monde e o Le Figaro. Para o primeiro, o depoimento do ex-presidente no processo que investiga supostas vantagens concedidas pela construtora OAS a Lula foi classificado como um dramatizado “show midiático”. De acordo com o segundo, tratou-se de um confronto entre as “duas personalidades mais populares do país”.
Na reportagem “Depoimento de Lula se transforma em um show midiático”, o jornal Le Monde informou na última sexta-feira (12) que “sob vaias e aplausos” e “seguido por muitas câmeras”, o ex-presidente e o juiz foram os protagonistas do “dia D da Lava-Jato”, que colocou, de um lado, “Lula, o pai dos pobres”, e de outro “Sergio Moro, o justiceiro”. Ainda de acordo com a publicação, o destaque dado ao evento pela mídia brasileira não é uma surpresa, considerando que, desde 2014, o juiz Sérgio Moro “utiliza taticamente a mídia”, esta última fã das prisões que se transformam em “grandes espetáculos”.
O jornal avalia ainda que, ao se tornar “ultra-popular”, o magistrado se protege dos poderosos que colocou na prisão. No entanto, o Le Monde analisa que esta “estratégia” parece se voltar contra Sérgio Moro. “Utilizando seu carisma, o ex-presidente atrai a opinião pública como testemunha para denunciar um complô que visa impedi-lo de ser candidato na eleição presidencial de 2018”. Em entrevista concedida à publicação, o cientista político Mathias Alencastro afirmou que “condenar Lula a alguns meses de uma eleição na qual ele [já] figura como favorito fará dele um mártir. Inocentá-lo o transformará em herói”.
No diário La Croix, a reportagem “No Brasil, Lula enfrenta o juiz Moro” publicada no dia 11 ressalta a opinião do cientista político João Feres acerca da atuação do magistrado. Em entrevista à publicação, o também professor da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) aponta que Moro “abusou de seu poder ao revelar o conteúdo de escutas ilegais de uma conversa entre Lula e Dilma em março de 2016”. Segundo a reportagem, este caso contribuiu para manchar a imagem do ex-líder. Para o Le Figaro, o depoimento de Lula foi um “confronto entre as duas personalidades mais populares do país: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, investigado no escândalo da Lava Jato, diante de Sérgio Moro, o juiz em uma cruzada contra a corrupção.
No meio virtual, o destaque fica por conta da reportagem “Brasil: interrogatório de Lula acentua ainda mais as divisões”, publicada pelo site Challenges e também pela versão digital do jornal Libération. De acordo com a matéria, o Brasil está hoje “mais dividido do que nunca”, julgando Lula como “culpado ou inocente”, como “rei da corrupção ou vítima de uma conspiração judicial”. Entrevistado pela reportagem, o cientista político Nuno Coimbra afirmou que a divulgação de trechos do interrogatório, não é em si “benéfica ou prejudicial”, servindo sobretudo para “instigar a polarização da sociedade brasileira”.
Observando a cobertura dada pelos principais jornais franceses ao depoimento do ex-presidente Lula, fica claro que o tom adotado foi de ressaltar dois aspectos do interrogatório: de um lado, a superexposição midiática de uma etapa comum a qualquer processo analisado pela justiça brasileira; de outro, a divisão causada pelo depoimento na sociedade brasileira, dividindo os apoiadores de “Lula, o pai dos pobres” e entusiastas de “Moro, o justiceiro”, conforme observado pelo Le Monde. Considerando o crescente nível de cisão social apontado pela mídia francesa [fato muitas vezes ignorado por nossos veículos de comunicação], fica evidente que tamanha segregação da sociedade não poderia ter ocorrido sem a participação da mídia nacional.
Não se trata, de modo algum, de conferir qualquer culpa à imprensa, porém é preciso que as mídias nacionais reconheçam que os modos a partir dos quais os fatos são narrados podem ser fundamentais para ditar os rumos do Brasil. Neste sentido, seria fundamental que os grandes veículos brasileiros começassem a refletir sobre suas próprias práticas, seus limites, poderes e responsabilidades.
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Saulo de Assis é jornalista e mestrando em Ciências da Informação e Comunicação pela Universidade Bordeaux Montaigne.