Por causa das novas posições políticas que seus proprietários assumiram, o Diário do Pará e O Liberal mudaram drasticamente a sua linha editorial. O jornal da família Barbalho esqueceu a campanha que vinha fazendo contra o prefeito de Belém, Duciomar Costa, e transferiu esse ímpeto para a governadora Ana Júlia Carepa. O PMDB ainda tem esperança de atrair o PTB do alcaide para uma ampla coligação, que reforçaria a candidatura do deputado federal Jader Barbalho ao Senado ou mesmo daria viabilidade ao ainda temerário projeto de se lançar de novo ao governo do Estado. Na pior das hipóteses, os petebistas não repetiriam localmente a aliança nacional com o PT, lançando candidato próprio.
Por causa disso, o jornal da família Maiorana passou a fazer matérias diárias de críticas à administração municipal, que antes estava imune a esse tipo de tratamento nas páginas de O Liberal. Agora, o jornal dá suporte ao governo do Estado, a ponto de materializar o que até recentemente parecia impossível: espaço amplo e de primeira para o ex-chefe da Casa Civil da governadora e seu atual assessor especial, Cláudio Puty. Além de tratamento Vip internamente, chamada do artigo e foto de Puty foram para a capa da edição dominical do dia 18, ao lado da fotografia do dono da casa, Romulo Maiorana Júnior.
O ziguezague contínuo dos dois principais grupos de comunicação do Pará indica que eles abdicaram a qualquer pretensão a coerência editorial e vão seguir seus interesses pessoais e comerciais na cobertura da eleição deste ano. É um grande retrocesso em relação ao comportamento recente, sobretudo por parte do Diário, que procurava dissociar sua linha editorial das atitudes políticas do seu dono.
Por causa desse ziguezague, o leitor precisa ir de um jornal para outro se quiser ter informações mais completas e um entendimento do que acontece na cena política. Para chegar a essa visão, porém, necessita de senso crítico. Todos sabem que só quando divergem ou brigam é que as grandes empresas jornalísticas se dispõem a fazer um jornalismo mais exigente, seguindo as regras da apuração dos fatos.
Mas não em profundidade tal que impeça a recomposição em seguida, como tem acontecido quase sempre. O inimigo de ontem poderá se tornar de novo o amigo amanhã (ou vice-versa), dependendo da força dos seus argumentos ($$$), sonantes no caixa. Mesmo quando uma campanha é aberta, ela não é irremediável. Às vezes porque as críticas ficaram mais no campo das ameaças e dos recados do que na consumação da verdade.
É o que se pode constatar em uma nota do dia 18 da coluna Repórter 70, de O Liberal. Ela anuncia que há tensão entre o prefeito e a secretaria municipal de saneamento, por causa da aproximação do final do contrato de concessão para a coleta do lixo, ‘prorrogado à exaustão com a Belém Ambiental’. Diz a nota que ‘além do sinal vermelho de improrrogável, a empresa está caindo pelas tabelas e o lixo começa a se acumular nas ruas’. E acrescenta, com um veneno que só os bem informados perceberão: ‘Os vereadores estão de olho espichado. Querem ver o que acontece para saber como é que fica’.
O sentido do recado vai por conta da suspeita de que é exatamente da coleta de lixo, concedida a uma empresa apontada como pertencente por via indireta (ou pelo menos associada) ao prefeito, que sairiam os recursos para manter o ‘mensalinho’ da Câmara Municipal. Esse ‘pró-labore não contabilizado’ mantém uma tática inteligente da atual administração municipal: transformar em lei todas as suas iniciativas, mesmo as mais cavilosas, como a redução em 60% do ISS para as inefáveis empresas de ônibus. Há sempre uma maioria de vereadores disposta a engolir esses sapos em troca de compensações. Daí o ‘olho espichado’ no que vai acontecer com o contrato do lixo.
Ao invés de uma simples nota maliciosa, o jornal podia pautar uma reportagem em amplitude e profundidade para responder a todas as indagações e suspeitas em torno dessas operações cruzadas da gestão pública, que acabam permitindo o desvio de dinheiro do erário para particulares e homens públicos. Seria um serviço de alta relevância, no momento em que há uma investigação sobre o ‘mensalinho’ na Câmara e o próprio jornal denuncia irregularidades na prefeitura – em regra, secundárias ou laterais, como a campanha em torno da desapropriação do Iate Clube (que deveria se transformar em bem de utilidade pública e seu uso foi desviado para fins obscuros, com a participação de gente da ante-sala do prefeito).
O jornal está ‘desovando’ matérias contra Duciomar, que estavam proibidas de sair ou de serem produzidas, apesar de constarem do vasto repositório de histórias marginais sobre o prefeito e seus esquemas paralelos de poder e de faturamento. Ao menos enquanto não há um novo entendimento entre as partes, no âmbito mais restrito e particular possível.O procedimento é o mesmo do Diário do Pará, agora contra a administração do PT. O jornal não checa as informações quando o tema é propício a críticas ao governo de Ana Júlia, tão fecundo para esse tipo de abordagem. Por isso, abriu manchete num domingo considerando fantasma uma empresa que presta serviços ao Estado para no domingo seguinte, sem admitir explicitamente o erro primário, desviar o enfoque para a inadimplência da Secretaria de Transportes junto a essa empresa, como a causa do mau serviço realizado, sob suspeita de superfaturamento.
Os jornalistas devem ter cuidado para não se tornarem instrumento dos interesses das empresas, quando eles se confrontam com os fatos. Já o leitor, que acompanha esse traçado tortuoso da grande imprensa, precisa se manifestar pelas formas possíveis para mostrar sua disposição de não ser usado como massa de manobra e cobrar das empresas coerência mínima de postura editorial. Sem essa participação da opinião pública, a mídia vai continuar a agir como partido político. Ou muito mais do que isso.
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Jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)