Os empregos se multiplicaram e o salário cresceu entre 2003 e 2009, mas, ao mesmo tempo, o dinheiro transferido pelo governo ficou mais importante, proporcionalmente, na composição da renda dos brasileiros. A Folha de S. Paulo foi o primeiro jornal a destacar esses pontos da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) divulgada na quarta-feira (23/6). Na edição de quinta-feira, uma chamada no alto da primeira página informou: 1) naquele período, a participação do Estado na renda das famílias aumentou de 15% para 18,5%, graças ao pagamento de benefícios sociais e aposentadorias; 2) rendimentos vindos do Estado cresceram 36%, enquanto os ganhos obtidos com o trabalho se elevaram 9%.
No mesmo dia, outros jornais destacaram detalhes mais visíveis da pesquisa, como a insuficiência ocasional ou frequente de alimentos apontada por 35,5% das famílias, na parte das informações subjetivas (avaliações das pessoas entrevistadas).
Nos dias seguintes a imprensa continuou decifrando os dados contidos em mais de 200 páginas de textos e tabelas. No domingo (27/6), o Estado de S.Paulo chamou a atenção para um detalhe positivo observado pelo economista Marcelo Neri, da Fundação Getúlio Vargas, especialista em políticas sociais. Segundo ele, a POF indicou a existência, em 2009, de 19,9 milhões de pobres, 10,6 milhões a menos que a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) de 2008.
Condições de vida
Para fazer a comparação, ele ajustou os números da PNAD e usou como linha de pobreza a renda familiar de R$ 140 por pessoa em janeiro de 2009. Esse valor é uma média nacional, porque a linha varia entre regiões. Na análise de Marcelo Neri, as transferências para os pobres passaram de 21,5% de sua renda média em 2003 para 26,7%, em 2008-2009.
O Estado aumentou repasses para todos os segmentos da sociedade e não só para os pobres, porque também as aposentadorias se elevaram, comentou Neri. Seria possível enriquecer o material com uma discussão sobre os tipos de transferências: aposentadoria é comparável, exceto como despesa pública, a pagamentos do tipo da Bolsa Família?
No domingo, o material informativo sobre a POF saiu na página 4 do caderno de Economia do Estadão. Na página 7 saiu uma bela reportagem sobre o McDonald´s do Shopping Metrô Itaquera, na zona leste da capital paulista. Embora pequena, com apenas 150 metros quadrados, cerca de metade da área de outras lojas da rede, recebeu 2,3 milhões de consumidores em 2009 e alcançou a 22ª posição entre as 32 mil lojas da rede, na classificação mundial por número de clientes.
Não houve remissão dessa reportagem para o material sobre a POF, mas esse é um evidente exemplo de como a criação de empregos e a elevação de salários mudam as condições de vida – seja qual for a opinião dos nutricionistas sobre a comida de lanchonete.
Pressões da demanda
Quando se passa ao noticiário de curto prazo, o cenário encontrado é misto, com boas e más notícias. As boas se referem à continuação do crescimento econômico e da criação de empregos, apesar de alguma acomodação em abril. As más, ou pelos menos não tão boas, tratam das pressões inflacionárias.
Os dois aspectos do cenário apareceram na pesquisa mensal de emprego e desemprego do IBGE. Se a economia cresce e aumentam as contratações, como pode o salário real diminuir? A explicação é fácil, mas só o Globo aproveitou bem esse detalhe – um dos mais interessantes – da pesquisa. Foi a manchete de sexta-feira (25/6): ‘Inflação em alta faz renda ter primeira queda no ano’. A taxa de desocupação, 7,5% da força de trabalho, foi a menor para um mês de maio desde 2002, mas a renda real do trabalhador encolheu 0,9% no mês. Como a renda nominal cresceu, o efeito negativo sobre a renda real só pode ter ocorrido por causa da alta de preços.
Criar manchete de impacto com noticiário econômico é quase sempre trabalho complicado. Exige talento para extrair da maçaroca de números uma informação forte, simples e atraente para o chamado ‘leitor comum’, isto é, sem especialização no assunto.
No sábado (26), quase todos os grandes jornais do Rio e de São Paulo trataram de forma rotineira o aumento do depósito compulsório imposto aos bancos comerciais pelo Banco Central (BC). Novamente o Globo se diferenciou, publicando a matéria na primeira página do caderno de Economia: ‘BC tira R$ 1,6 bi do mercado com compulsório de banco’. Foi uma óbvia reação da autoridade monetária à expansão do crédito e às pressões da demanda sobre os preços.
Política monetária não se faz apenas com juros e alguns analistas já haviam chamado a atenção para o cardápio de alternativas disponíveis.
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Jornalista