Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Jornais não dão atenção às obviedades

Uma lei aprovada no fim de 2005 pela Assembléia Legislativa de São Paulo amplia os poderes da Secretaria da Fazenda para suspender, cassar ou negar a inscrição de empresas. O objetivo explícito é facilitar o combate a fraudes fiscais e a outros atos lesivos ao Tesouro público. Até a aprovação dessa lei, o governo estadual poderia cassar o registro de postos de gasolina por adulteração de combustível. A secretaria poderá usar as novas armas sem recorrer ao Judiciário.

Os poderes são enormes. A secretaria poderá cassar ou suspender a inscrição da empresa ‘a qualquer momento’, se for verificada, entre outras, uma das seguintes situações:

** ‘inatividade do estabelecimento para o qual foi obtida a inscrição’;

** sonegação que afete o equilíbrio da concorrência;

** ‘participação em organização ou associação constituída para a prática de fraude fiscal estruturada’;

** ‘falta de pagamento de débito tributário vencido, quando contribuinte detém disponibilidade financeira comprovada, ainda que por coligadas, controladas ou seus sócios’.

Antecipar críticas

Deixar de pagar o imposto quando existe aquela disponibilidade é uma das faltas definidas, nessa lei, como ‘inadimplência fraudulenta’. Esta identificação foi classificada como ‘absurda’, pelo advogado tributarista Eduardo Brock, ‘porque desconsidera a empresa como personalidade jurídica distinta das demais e dos sócios’, segundo reportagem do Valor Econômico.

A lei permite à Secretaria da Fazenda exigir garantia de pagamento de imposto em várias circunstâncias – por exemplo, quando as pessoas físicas ou jurídicas envolvidas tiverem antecedentes fiscais desabonadores. Poderá, além disso, cassar o registro de empresas em casos de ‘receptação de mercadoria roubada ou furtada, produção, comercialização ou estocagem de mercadoria falsificada ou adulterada e de utilização como insumo, comercialização ou estocagem de mercadoria objeto de contrabando ou descaminho’.

Há muito que dizer a favor da nova lei, e, com certeza, também haverá muitas objeções apresentadas por advogados especialistas em tributação e, naturalmente, em Direito Constitucional. Como se antecipasse algumas das críticas, o então secretário da Fazenda, Eduardo Guardia, escreveu na justificativa do projeto:

‘O princípio constitucional do livre exercício da atividade econômica tem por objetivo assegurar a prosperidade social e não a prática reiterada de atos criminosos voltados à supressão ou redução de tributos’.

Componentes do sistema

A aprovação dessa lei, na última semana de dezembro, foi noticiada pelo Valor na sexta-feira (6/1/), com destaque na página 2 e chamada na primeira. Se alguém mais publicou a novidade, nos dias anteriores, deve ter sido com muita discrição.

Não se trata de saber se alguém deu ou levou um furo jornalístico. Nesse jogo, todos fazem e todos tomam gol de vez em quando. A questão importante é outra. Ficou clara, mais uma vez, a desatenção da maior parte da imprensa em relação a projetos de lei e questões judiciais. Só dois jornais, o Valor e a Gazeta Mercantil, mantêm um acompanhamento regular desses assuntos.

Não vale argumentar que esses dois são jornais especializados. Os demais, mesmo dedicando apenas um caderno ao material econômico, não ficam dispensados de acompanhar e noticiar os fatos mais importantes. Leis, processos e decisões judiciais são componentes fundamentais do sistema. Não há mercado sem estrutura legal e as empresas, trabalhadores e consumidores dependem de normas para suas decisões e para seu dia-a-dia.

Os jornais prestariam melhor serviço ao leitor, se dessem maior atenção a essa obviedade.

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Jornalista