O editoral mea-culpa do New York Times de 16/7 sobre as armas de destruição em massa no Iraque – ‘Uma pausa para retrospecto’ – teve a previsível repercussão. No Brasil, Folha e Globo transcreveram os melhores momentos do ato de contrição.
‘Deveríamos ter sido mais agressivos em ajudar nossos leitores a compreender que sempre havia a possibilidade de não existirem grandes arsenais’, penitenciou-se o jornal. ‘Não ouvimos atentamente aqueles que discordavam de nós.’ (…) ‘E mesmo que esta página tenha vindo com tudo contra a invasão, lamentamos agora que não fizemos mais para contestar as suposições do presidente.’
A importância dos erros pelos quais o mais respeitado jornal do mundo agora se desculpa não pode ser subestimada. Tivesse o NYT sido ‘mais agressivo’ na hora certa, quem sabe Bush seria obrigado a buscar na ONU a ‘mudança de regime’ em Bagdá sem guerra. [Mais sobre editoriais do Times na nota seguinte.]
Isto posto, o grande mea-culpa recente na imprensa dos Estados Unidos foi outro. No dia 4 de julho, data nacional do país, o Herald-Leader, de Lexington, Kentucky, pediu perdão por ter deixado praticamente de cobrir o movimento dos direitos civis na cidade do final dos anos 1950 ao começo dos 60.
[Naquela época, o Herald–Leader eram dois. Um, matutino. Outro, vespertino.]
O interessante é que o mea-culpa apareceu não em um editorial, mas sob a forma de reportagem (mais de uma, aliás). Numa delas, as autoras Linda Blackford e Linda Minch, escreveram:
‘Aquela posição não era rara entre os jornais do Sul. Mas, da perspectiva de hoje, muitos especialistas concordam que as decisões tomadas no Herald e no Leader feriram o movimento dos direitos civis, prejudicaram irreparavelmente o registro histórico e privaram os leitores dos jornais de uma das mais importantes histórias do século 20.’
‘Vamos nessa!’
A editora do jornal, Marilyn W. Thompson, recém-chegada do Washington Post para convalescer de um câncer da mama e atualizar a sua biografia do político segregacionista Strom Thurmond, falecido há pouco aos 100 anos, promete mais reportagens sobre a questão – entre elas, um perfil do publisher de então, Fred Wachs, o responsável pela omissão dos jornais, que investigará as suas atitudes racistas.
Mal comparando, é como se O Globo prometesse uma grande reportagem sobre a Rede Globo só ter coberto a campanha das Diretas-Já na 25a hora, acompanhada de um perfil de Roberto Marinho que investigaria as suas ligações com o regime militar.
A graça da história é como tudo começou. Foi com uma conferência sobre ética jornalística do ex-editor do Herald-Leader, entre 1979 e 1991, atual editor do Los Angeles Times, John S. Carroll.
Em dado momento, ‘para fazer o público rir’, como comentaria, ele contou que a eterna piada na redação do jornal de Lexington era que um dia desses deveria se publicar um ‘esclarecimento’: ‘Chegou ao conhecimento do editor que o Herald negligenciou a cobertura do movimento dos direitos civis. Lamentamos a omissão’.
A história chegou ao conhecimento de Marilyn, com a sugestão de que o jornal deveria encarar a verdade. ‘Fiquei estimulada’, disse ela. ‘Você sempre ouve que o câncer faz essas coisas com as pessoas. E minha atitude foi: ‘vamos nessa!’’
O mais completo relato do mea-culpa saiu no New York Times de 13 de julho. De autoria de James Dao, tem o título ’40 anos depois, os direitos civis alcançam a primeira página’.