É falsa impressão, ou os jornais desta época pós-natalina estão mais minguados do que os do mesmo período no ano passado? No dia 26 de dezembro, o leitor dos jornais de papel pôde observar como seria uma imprensa sem manchete.
>> “Renda per capita do país tem queda após pibinho”, diz a Folha de S.Paulo no alto da primeira página.
>> “Brasil ainda tem 1 milhão de lares na escuridão”, alardeia o Globo.
>> “Greves param as três maiores obras do País por seis meses”, mancheteia o Estado de S.Paulo.
A rigor, nenhuma das notícias traz a urgência dos diários, todas poderiam compor a segunda linha da pauta em tempos mais cheios de novidades e o conjunto reforça a convicção do observador de que a imprensa tradicional se tornou mortalmente dependente das instituições públicas e dos agentes corporativos do mercado.
O resultado dessa dependência é que, com a paralisação dos jogos de futebol, com o Supremo Tribunal Federal em férias e o Congresso Nacional em recesso, os jornais não têm por onde convencer o público de que sua leitura ainda é fundamental. Até mesmo os relatos sobre o tradicional espetáculo musical que acontece na praia de Copacabana, imagem principal do jornal carioca na época natalina, parece desanimada.
Fato intrigante
Uma espécie de “ressaca”, após meses de títulos escandalosos sobre política e da construção de um novo mito em torno do Supremo Tribunal Federal, parece atingir a disposição dos editores para ressaltar a importância dos fatos que escolheram como os mais importantes da semana que começa.
Sem condições de penetrar nos meandros da sociedade, a mídia tradicional parece destinada a atuar, daqui para a frente, apenas quando confrontada por catástrofes ou estimulada por iniciativas oficiais, como vazamentos de inquéritos, declarações de autoridades ou estatísticas surpreendentes.
Mesmo a hipótese de dar continuidade, com investigações próprias, ao relato de acontecimentos relevantes, parece desconsiderada pelas redações. Montadas à base de plantonistas, com equipes reduzidas, seu trabalho se limita basicamente a selecionar informações disponíveis, produzir as imagens necessárias para ocupar o espaço e cumprir burocraticamente as tarefas do cotidiano.
Veja-se, por exemplo, a notícia publicada na primeira página da edição de quarta-feira (26/12) do Globo, aproveitada também pelos plantonistas do Estadão e da Folha: “Fuligem misteriosa intriga cariocas”.
A reportagem dá conta de um fato meteorológico intrigante, com a queda de uma poeira branca, semelhante a neve, sobre alguns bairros do centro e da zona Sul do Rio, e reproduz especulações de um site especializado em fenômenos climáticos sobre a possibilidade de o acontecimento ter origem em erupções ocorridas na semana anterior num vulcão localizado na fronteira entre o Chile e a Argentina.
O porteiro de plantão
A solução do “mistério” ficou por conta de leitores, que enviaram comentários para a página da notícia na edição digital do jornal, informando terem visto uma queimada de grandes proporções numa área de mata perto da Refinaria Duque de Caxias.
Pelo menos um deles afirma ter ligado para a rádio CBN, pertencente ao Grupo Globo, comunicando a ocorrência, mas parece não ter havido uma conexão entre os responsáveis pelos comentários dos leitores no site e os jornalistas de plantão.
Como diz Alberto Dines, em feriados prolongados o jornalismo entra em recesso e a notícia fica por conta do porteiro do jornal.
Seria perigoso concordar com a hipótese de que o conteúdo jornalístico se torna menos relevante nos períodos em que, supostamente, há menos leitores disponíveis. Essas seriam justamente as boas épocas para cativar o público com pesquisas e reportagens especiais que, sem depender da pressa e das atualizações diárias, ajudassem a cobrir as lacunas que o jornalismo do dia a dia deixa na compreensão dos acontecimentos importantes.
Tendo perdido, nos últimos anos, muito de sua capacidade de prospectar bons assuntos na sociedade e cada vez mais dependente das informações produzidas por grandes empresas e instituições públicas, a imprensa tradicional se confronta com sua falta de recursos quando tem que lidar diretamente com a realidade contemporânea.