BIENAL
Os prefeitos, os peixes e os livros
‘Neste ano da graça de 2008, quem foi à Bienal do Livro de São Paulo pagou R$ 20 para estacionar, R$ 8 para entrar e, claro, não passou o dia lá sem beber nem comer. Digamos que a referência seja um gasto de R$ 50, sem contar que o leitor não trabalhou nesse dia, gastou combustível, sujeitou-se a um trânsito pesado, eventuais multas e ainda precisou romper o medo ou a falta de vontade de sair de casa. Gastou o preço de dois livros e provavelmente não levou nenhum para casa.
Se não lemos, somos repolhos ou couves, ainda que sejamos couves-flores, mais importantes do que as rosas para quem precisa, em vez de apreciar a coisa, comê-la. Precisamos de livros!
O Aurélio informa que a couve é bienal. Preciso consultar um cozinheiro mineiro, afinal é célebre a ‘couve à mineira’. O Houaiss diz que a couve é bianual, o que pode confundir os apressados, pois quer dizer a mesma coisa, isto é, que a planta é dicíclica, dá de dois em dois anos. Dá ou floresce? Acho que a couve dá com mais freqüência do que a Bienal do Livro, pois o couval está sempre verde.
A crônica está desarrumada, ao contrário dos candidatos, que nos fazem crer que a vida deles seja organizada, quase todos eles impávidos e heróicos, generosos e altruístas, mães e pais de família exemplares, ainda que, ó dor, com a ficha suja em prontuários diversos. Já notaram como são tantos os candidatos sujos? É um erro etimológico! Candidato quer dizer cândido, alvo, limpo. Na velha Roma, os candidatos se vestiam de branco para mostrar que eram honestos, sem mácula, sem sujeira.
E os senadores tinham cabelos brancos. Todo candidato ao Senado era senex, velho. E prefeito, então? Este é do latim praefectus, do verbo praefacere, fazer antes, planejar, cuidar, proteger. Designava a autoridade que cuidava das fortificações do município, do latim municipium, de munus capere, exercer o direito, designando o lugar onde você desfruta de seus direitos, pois antes pagou em impostos para que eles lhe fossem assegurados! Os candidatos são como os impostos: você não os escolhe! Que me perdoem a redundância, são duas imposições! Uma, do governo. Outra, dos partidos.
Já o vereador cuidava das veredas, das ruas e dos edifícios, por isso tornou-se sinônimo de edil, o magistrado romano que fazia a inspeção dos prédios públicos, sacros ou profanos, dos aquedutos, dos locais de banho e de divertimento etc.
Tudo isso está nos livros, mas como aprender se para chegar até eles ficou tão caro, e livrarias e bibliotecas estão distantes? Por isso, acho que poucos leitores foram à Bienal de São Paulo! Lá foi quem quis passear, olhar as estantes, admirar aquele mundão de livros, mas sem levar nenhum para casa! Se os levassem, iriam pôr aonde? Em suas casas não há estantes e quando as há é para ali pôr a televisão, esta sim, um móvel indispensável para afastar as crianças dos livros desde bem pequeninas, pois contar ou ler histórias para elas dá muito trabalho a pais, mães, tios, avós, babás etc.
Preciso, por fim, escrever alguma coisa sobre os peixes, afinal, está no título do artigo. Então, escrevo: o feminino de peixe-boi não é peixe-vaca, a língua portuguesa é cheia de sutis delicadezas. É peixe-mulher.
Não temos sereias em nossos mares, rios e lagoas. Mas temos peixes-mulheres. E elas estão quase sempre fora d’água, agora mesmo ali na rua vai uma delas, que é um peixão, que os dicionários dizem ser ‘mulher bonita e de corpo exuberante’, isto é, que transborda dos seios!
A morna manhã desta estação anuncia a primavera. Vocês devem ter primas de outros nomes. E este escritor, que não as teve, agora envelhece escrevendo sobre o que não fez, falando de coisas que o encantam nos livros!.’
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