Wednesday, 04 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

Jornal Pessoal: mordaça à imprensa

O juiz da 4ª vara federal de Belém, Antonio Campelo, tentou impor a mais drástica censura à imprensa já aplicada no Brasil pela via judicial, sendo ele o autor da iniciativa. Três dias depois de ameaçar com prisão, processo criminal e multa de R$ 200 mil, recuou. O caso é tão grave que a história não terminou. Ela é tema desta edição especial do Jornal Pessoal.


Para quem já foi processado 33 vezes, ter um oficial de justiça à sua porta deixou de ser novidade, conquanto continue a ser um constrangimento social (presume-se que o intimado é sempre culpado). Mas no dia 23, ao abrir a porta para receber mais um oficial de justiça, desta vez havia uma novidade: ele era o primeiro emissário da justiça federal que me intimava de uma decisão. Também pela primeira vez, eu não era parte no feito nem estava sendo convocado para depor.


Simplesmente o juiz da 4ª Vara Federal Criminal do Pará, Antonio Carlos Almeida Campelo, estava me comunicando que decretara ‘o sigilo do procedimento’ numa ação que tramitava sob sua responsabilidade. Ele determinara ao secretário da vara para me oficiar ‘com a informação de que o processo corre sob sigilo e qualquer notícia publicada a esse respeito ensejará a prisão em flagrante, responsabilidade criminal por quebra de sigilo de processo e multa que estipulo, desde já, em R$ 200,00 (duzentos mil reais)’.


Fúria punitiva


Embora datado da véspera, o despacho não demorara nem 24 horas para me ser entregue para ciência e acatamento. Primeiro ponto a assinalar: a tramitação célere da peça, o que não chega a constituir uma característica da justiça – em qualquer das suas esferas jurisdicionais – no Brasil. O magistrado cobrou pressa na providência. Em algumas horas ela se cumpriu. Quem consegue tal feito na justiça brasileira?


Eu podia adotar o procedimento dos meus perseguidores, sobretudo aquele que se tornou a marca registrada dos irmãos Romulo Júnior e Ronaldo Maiorana: fugir ou pelo menos protelar o recebimento do mandado judicial. Na ação que motivou o impulso punitivo do juiz Campelo, Romulo Jr. já faltou a três audiências seguidas e Ronaldo a duas. Isso, a despeito de a justiça federal ser muito temida por seu rigor na aplicação da lei e no respeito às suas formalidades.


Na justiça estadual, raramente os oficiais de justiça conseguem sequer transpor os umbrais da sede de O Liberal, onde os dois dão expediente. Intimá-los está quase sempre fora do alcance desses serventuários. Mesmo que, afinal, arranquem uma ciência em mandado, os dirigentes das Organizações Romulo Maiorana não aparecem nas audiências – e costumam nem se justificar. Não compareceram nem mesmo naquelas em que são autores, o que levou a juíza da 7ª vara penal à indignação e à condenação dos litigantes de má fé, que abusam e desprezam o poder judiciário.


Eu nunca faltei a qualquer audiência, exceto num caso, num dos primeiros processos que Rosângela Maiorana Kzan propôs contra mim, iniciando, em 1992, uma perseguição que se contabiliza em 19 processos, 14 dos quais da responsabilidade de Romulo Jr. e Ronaldo Maiorana, todos estes propostos depois que o mais jovem dos sete filhos de Romulo Maiorana me agrediu, em janeiro de 2005.


A cronologia das ações e seu conteúdo, algumas vezes beirando o deboche (sou acusado de causar dano moral e praticar injúria, calúnia e difamação por ter dito que fui espancado por Ronaldo, quando ‘apenas’ fui ‘agredido’, o que, para ele, constitui diferença essencial), revela que os donos do maior conglomerado de comunicação do norte do país consideram a justiça como a extensão do seu poder. E vários membros do poder judiciário têm agido de maneira a confirmar essa presunção odiosa.


Ao saber do primeiro dos processos ajuizados por Rosângela Maiorana Kzan, nem esperei pelo oficial de justiça: me apresentei espontaneamente em cartório e me dei por ciente, tratando logo da minha defesa, na certeza de então, de que o julgamento seria imparcial e objetivo, visando a verdade dos fatos.


Esse tem sido meu comportamento desde então, embora, depois de quase 19 anos a padecer os efeitos dessa atitude legalista e respeitosa, meu apreço pelo poder judiciário já não seja o mesmo. Não pela justiça como instituição, que continua a ser instância vital, mas por vários dos seus indignos integrantes, acobertados por um espírito de corpo que ainda resiste ao controle social.


Ao receber o papel das mãos do oficial de justiça, ainda na manhã seguinte ao despacho vespertino do juiz Campelo da véspera, demorei um pouco até me dar conta do que significava aquele documento. Uma característica, porém, se impunha de imediato: o juiz estava dominado pela fúria punitiva, da qual não conseguem se libertar alguns magistrados para examinar com bom senso e isenção as questões submetidas ao seu julgamento.


Sigilo revogado


Um pequeno erro já dava uma medida do ânimo da autoridade. O juiz escreveu o valor da multa em R$ 200,00 e a fixou, por extenso, em duzentos mil reais. O diretor de secretaria da 4ª vara, Gilson Pereira Costa responsável pela expedição do ofício, ou não percebeu o erro ou preferiu mantê-lo para não alterar a integridade do texto original.


O próprio valor da multa refletia a disposição intimidatória do despacho. Eu jamais teria condição de suportá-la, a não ser que me desfizesse do meu patrimônio material, o mesmo desde 1988, ano em que teve a sua última variação positiva (não por coincidência, também o ano do meu desligamento da grande imprensa). O peso da multa seria para me fazer acatar sem reservas a determinação judicial. Para me curvar de pronto a ela.


Ainda mais porque, em caso de insubmissão, eu poderia ser preso em flagrante, o que autorizaria a Polícia Federal a até me algemar, fornecendo aos Maioranas uma cena que eles anseiam por registrar e estampar nas suas páginas, como fizeram com a sentença bem utilitária do juiz da 4ª vara cível de Belém. Processado 19 vezes por três dos oito integrantes da família, continuo como réu primário em função da batalha que tenho travado nos tribunais em defesa da minha dignidade, decência, honradez e lisura. Com prejuízo enorme ao meu trabalho de jornalista e à minha vida privada.


O juiz não hesitava em me ameaçar com os instrumentos de maior rigor à sua disposição para me compelir a acatar sua ordem: multa de 200 mil reais, prisão em flagrante e processo criminal por quebra de sigilo processual. Toda essa fúria tinha que origem? Alguma das partes requerera a providência? Foram os quatro réus, os Maiorana e seus diretores, João Pojucan de Moraes e Fernando Nascimento, que pediram a medida? Ou fora o Ministério Público Federal, autor da denúncia?


Não: a iniciativa era pessoal do juiz Antonio Carlos Almeida Campelo. Ele agira de ofício. Não eram as partes que se sentiam ofendidas ou desrespeitadas pela matéria ‘Ronaldo confessa. ‘Rominho’ viaja’, publicada na edição passada deste jornal, da 1ª quinzena de fevereiro. Ou pelo menos não eram eles formalmente, assumidamente. Era o próprio juiz agindo como se fora parte, sem ser provocado, de moto próprio.


Ele podia argumentar que, mesmo sem esse chamamento, sua intervenção era legal, legítima e correta. Ao escrever sobre o processo a que respondem os irmãos Maiorana e seus diretores, por crime contra o sistema financeiro nacional, eu estava quebrando o sigilo de justiça, que o magistrado me informou no ofício ter decretado às folhas 1961 dos autos.


Sua excelência, porém, não especificou a data da sua decisão nem a razão de havê-la adotado. De resto, não fez a menor referência legal em todo o seu curto e enfático despacho, deixando assim de cumprir uma das regras básicas de qualquer manifestação nos autos. Limitou-se a seguir aquele bordão popular: quero, mando e posso. Quem não pode que se submeta.


Só no segundo ofício, de três dias depois, sua excelência haveria de se dignar a informar que decretou o sigilo exatamente no dia em que Ronaldo Maiorana, Pojucan e Fernando depuseram, 2 de fevereiro (e Rominho fez forfait, permanecendo em férias em sua confortável residência em Miami, nos Estados Unidos, recentemente adquirida). Antes ou depois da audiência? Não se sabe. O que os três disseram que exigisse o segredo?


Provavelmente, nada de importante, já que o doutor Campelo, no seu segundo despacho, revogou o sigilo quanto ao depoimento dos réus, mantendo-o apenas ‘quanto aos documentos bancários e fiscais constantes dos autos’. Por isso, a revogação foi parcial e não plena, como devia ter sido.


Pesos e medidas


Ora, na minha matéria o único fato novo em relação a muitas outras reportagens já publicadas neste jornal e em outros veículos de comunicação dizia respeito ao que houve durante a audiência. Neste particular, só o Jornal Pessoal divulgou o que aconteceu na sessão. Não por outro motivo, foi o único destinatário da inusitada mensagem do juiz do feito, ao contrário do que ocorreria com o segundo despacho, que, segundo o magistrado, foi encaminhado aos demais órgãos da imprensa local.


O que aconteceu de destacável na audiência? Ronaldo Maiorana se tornou réu confesso do crime de que foi acusado pelo Ministério Público Federal. Admitiu que ele e seu irmão retiravam o dinheiro que depositavam no Banco da Amazônia assim que os recursos dos incentivos fiscais da Sudam eram creditados. Fizeram isso três vezes. Graças à fraude, os 3,3 milhões de reais que aplicaram no projeto de sua fábrica de sucos eram todos oriundos da Sudam, sem a contrapartida do capital próprio, que devia equivaler a metade da colaboração financeira do poder público.


O dirigente do grupo Liberal, mesmo sendo advogado e tendo presidido por muitos anos a Comissão em Defesa à Liberdade de Imprensa da OAB do Pará, alegou ignorar que seu procedimento constituísse crime. Embora ninguém possa alegar desconhecimento da lei, ele logo providenciou para devolver o dinheiro fraudulentamente recebido e passou a utilizar seus próprios recursos no empreendimento.


Sua defesa alegou, equivocadamente, que esse arrependimento seria eficaz para anular o delito. Mas já sabia que o arrependimento eficaz não se aplica a um crime que se consumou. Esse foi um dos motivos que levaram o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília, a negar, no ano passado, um habeas corpus impetrado pelos Maioranas para trancar a ação penal conduzida em Belém pelo juiz Antonio Campelo. A alegação era falaciosa e já não mais de boa fé.


Outro fato marcante na audiência foi que ela nada acrescentou às provas produzidas pela Receita Federal e pelo MPF, que acompanharam a denúncia, recebida pelo juiz em agosto de 2008, depois de oito anos de inquérito meticuloso. Talvez se as perguntas fossem mais diretas e incisivas, algum dado inédito pudesse ter surgido. Mas o clima da sessão foi cordial, talvez até demais, como disse a matéria. Um tom contrastante com o que se deduziu da designação da audiência, em setembro do ano passado, quando o juiz afirmou que a instrução do processo ‘vem sendo postergada por razões diversas. A pedido dos réus’.


Qualquer leigo, mesmo o mais ingênuo, não tem dúvida sobre a estratégia adotada pela defesa dos Maioranas: é justamente postergar ao máximo o andamento do processo para que os réus, um dos quais já confesso, ao invés de cumprirem a pena pelos seus crimes, sejam beneficiados pela prescrição, o fim do direito estatal à punição dos criminosos (o prefeito de Belém, Duciomar Costa, por exemplo, foi condenado pela justiça federal por falsificar diploma de médico, mas não cumpriu a pena por causa da prescrição;continuou réu primário).


Se já ficou nítido ao juiz que há esse procedimento, por que aceitar a terceira falta seguida do réu Romulo Maiorana Júnior? No seu segundo despacho, do dia 25 de fevereiro, o magistrado decidiu prosseguir a audiência anterior, marcando a nova sessão para três meses depois, ainda que sob o cuidado de mandar intimar o réu faltoso e desidioso ‘pessoalmente por mandado com urgência’. Por que não sob coação legal? Por que não sob vara? Se o réu fosse um cidadão sem qualquer poder, um homem comum, haveria essa tolerância?


Ao invés de impor os rigores da lei aos que a fraudaram, o juiz voltou suas armas contra o jornalista, visto nestas circunstâncias como o mensageiro das más notícias, invariavelmente sujeito aos humores do destinatário da mensagem. Se o magistrado não gostou do teor da matéria da edição anterior deste jornal, devia ter feito como fez duas semanas antes, em relação ao Diário do Pará.


Decisão interlocutória


Na sua edição do dia 3/3, o jornal da família Barbalho acusou o juiz Campelo de ter antecipado de um dia a audiência para proteger os Maioranas da grande cobertura que certamente o seu rival e inimigo faria, com fotos que pudessem se equivaler à famosa cena de Jader Barbalho preso por algemas pela Polícia Federal, já tantas vezes republicada por O Libera, inclusive neste dia 28.


No dia seguinte o juiz mandou não uma intimação nem um despacho, mas uma carta de esclarecimentos ao jornal. Negou que tivesse antecipado a sessão, mostrando que desde 23 de setembro a data marcada era a de 1º de fevereiro. Foi o jornal que errou. O magistrado garantiu que não concederia privilégios a ninguém, cumprindo a sublime missão da justiça de ser imparcial na apreciação dos contenciosos e litígios entre os homens.


No entanto, sua excelência não acrescentou ao seu informe que já decretara o sigilo de justiça, conforme iria revelar só no último dia 25, já no seu segundo despacho. Se fizesse a ressalva, toda a imprensa já estaria avisada de que publicar alguma matéria sobre o conteúdo dos autos era crime de quebra do sigilo de justiça. Foi uma omissão deliberada, maliciosa, ou apenas esquecimento?


Vejamos. No seu primeiro despacho, endereçado exclusivamente ao redator solitário deste jornal, sua excelência escreveu:




‘Tendo em vista a notícia publicada no Jornal Pessoal (Fevereiro de 2011, 1ª Quinzena, pág. 5) e a decisão de fl. 1961 dos autos, na qual decretou [talvez a forma correta fosse decretei] o sigilo do procedimento deste feito, oficie-se ao editor do referido jornal com a informação de que o processo corre sob sigilo e qualquer notícia publicada a esse respeito ensejará a prisão em flagrante, responsabilidade criminal por quebra de sigilo de processo e multa que estipulo, desde já, em R$ 200,00 (duzentos mil reais)’.


Como se vê, o magistrado não indicou a data do sigilo nem sua fundamentação legal. Já no segundo despacho, do dia 25, no trecho em que trata do tema, diz:




‘Considerando que os atos judiciais, em regra, devem ser públicos e ainda que deve ser respeitado o direito à informação, REVOGO, em parte, a decisão de fl. 1961, de 02/02/11, pelo [sic] qual determinou [ainda na terceira pessoa do singular] que o processo em epígrafe corresse sob o sigilo de justiça, para MANTER o sigilo tão-somente quanto aos documentos bancários e fiscais constantes dos autos’.


Só então foi possível saber a data da fixação do sigilo, já que no primeiro despacho a referência era apenas às folhas dos autos nas quais foi juntada a decisão. Tudo porque, três dias depois de ser tão draconiano contra um jornalista, atropelando a tutela constitucional à liberdade de informação, à qual acabaria se submetendo, o juiz tratava de corrigir seus muitos e flagrantes erros, cometidos sob impulso emocional, completamente à margem de suas obrigações jurisdicionais.


Embora o juiz Campelo houvesse estabelecido o sigilo no dia 2, a ficha do processo no site da Justiça Federal do Pará não o incorporou. Como esta é a única informação que a justiça presta ao público, ainda que não tenha valor oficial, para efeito de prazo ou qualquer iniciativa das partes, é o elemento de que a sociedade dispõe para acompanhar as ações. É de praxe em tais sites do poder judiciário, em todas as instâncias, que o alerta seja feito, inclusive para justificar que não haja documentos anexados.


Aliás, essa norma consta da resolução 507, de 2006, através da qual o Conselho da Justiça Federal, à falta de legislação normativa específica, estabeleceu ‘diretrizes para o tratamento de processos e investigações sigilosas ou que tramitem em segredo de justiça, no âmbito da Justiça Federal de 1º e 2º graus’. O parágrafo 1º do artigo 3º da resolução diz que quando o processo tramitar sob segredo de justiça, ‘a consulta ao sistema informatizado será restrita a pessoas autorizadas, a critério da autoridade judicial’. Nada disso houve.


A decretação de sigilo de processo teria que ser submetida ao autor da ação e fiscal da lei, que é o representante do Ministério Público Federal. Não sei se isso aconteceu. Só será possível saber consultando diretamente os autos ou se o MPF se dispuser a se manifestar a respeito. A Procuradoria da República, aliás, foi chamada a falar pelo juiz Campelo em seu primeiro despacho, que terminava assim: ‘Intimem-se. Vistas ao MPF’.


Talvez fosse um erro, já que o despacho, equivalente a uma verdadeira decisão interlocutória (e, por isso, passível de agravo), foi tomado de ofício pelo juiz, por arbítrio pessoal. Provavelmente em virtude dessa circunstância, no seu segundo despacho, ele arrematou:




‘Publique-se na íntegra. Intimem-se. Oficiem-se com cópia deste despacho aos principais periódicos desta Capital.


Cumpra-se com diligência’.


Obrigação da imprensa


O primeiro despacho era um mero ofício de uma relação pessoal (embora extravagante, para dizer o mínimo) entre o juiz, praticamente como parte, e o cidadão Lúcio Flávio Pinto. Não iria ser publicado, já que o juiz não determinou essa providência. Contraditoriamente, porém, no alto da folha em que foi lavrado o despacho há o termo de conclusão do diretor de secretaria, com autos conclusos para o juiz.


Estranhamente, nem a folha do despacho nem a folha que a antecedeu, com o encaminhamento do ofício pelo diretor de secretaria, foram numeradas (só o ofício do diretor podia ser dispensado da numeração). O mesmo não aconteceu com o segundo despacho, que recebeu o número 1978. Ou seja, seis páginas depois daquela na qual foi decretado o sigilo do processo. Tão recentemente, depois de 30 meses de tramitação do feito.


Assim, o segundo despacho do juiz, embora juntado aos autos, ao contrário do que foi estabelecido para o primeiro, não foi submetido ao Ministério Público Federal. É claro que o representante do MPF, como também os réus, poderá se manifestar porque ambos foram (ou serão) intimados. Mas só o farão voluntariamente, se quiserem. Antes, as vistas ao MPF eram obrigatórias.


Quando errou, o juiz pediu o parecer do MPF, quem sabe para receber seu apoio, mesmo se tratando de um ofício, não numerado, não juntado aos autos, não remetido para publicação e, por isso, não resenhado. Quando corrigiu parcialmente o erro, o magistrado tornou a manifestação do dono da ação penal facultativa. Talvez por receio de ser contestado?


O juiz Antonio Carlos Almeida Campelo assumiu uma condição absolutamente solitária ao estabelecer a censura – e exclusiva – sobre o Jornal Pessoal em 22 de fevereiro. Ninguém, considerando as normas legais, podia ficar ao seu lado. Primeiro pelos erros formais e materiais, já aqui sumariamente relatados, sem a preocupação de esgotar a matéria. Depois, pelo conteúdo da sua medida arbitrária. Para adotá-la, o magistrado precisaria se despir dos mandamentos da sua toga, agindo como parte. O que não fez.


Pelas características da sua reação, é óbvio que ele não gostou da matéria. Poderia muito bem ter repetido o comportamento que adotou em relação ao Diário do Pará, escrevendo uma carta para este jornal, no exercício do seu direito de resposta. É prerrogativa sua não ter escolhido novamente essa via. Pode ter se sentido mais contrariado do que antes.


Nesse caso, podia recorrer a uma interpelação judicial ou mesmo adotar logo uma ação direta, cível ou penal. Mas como cidadão. Decidiu, entretanto, usar suas prerrogativas de juiz e despachar um ofício a partir de uma ação na qual não sou parte. Trata-se de uma peça espúria, quase clandestina, que não podia ser encaixada harmoniosamente nos autos, sem o risco de desnaturá-lo.


Não surpreende que, indiferente à brutal contradição, o juiz tenha decidido voltar atrás em tão pouco tempo. As razões que o levaram a violar um direito constitucional, um dos pilares da democracia, sendo sua cláusula pétrea, que é a liberdade de informação e de expressão, em três dias desapareceram, como tinha que ser. Suas armas de intimidação evaporaram e ele teve que revogar um ato de força, francamente anticonstitucional, para tentar acomodá-lo à ordem legal, o que é impossível.


Além de contrariar um direito difuso da sociedade, que cabe ao Ministério Público tutelar, o juiz também violou outra norma constitucional. O item LX do famoso artigo 5º da constituição brasileira estabelece que a lei ‘só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem’.


Onde a notícia sobre o processo atinge a intimidade dos réus? Diz respeito apenas à sua face objetiva e pública, de empresários. Eles cometeram delito previsto na lei penal, que não admite sigilo: o crime de ‘colarinho branco’. O interesse social exige o contrário: que os fatos sejam de conhecimento público para que não se repitam. O patrimônio público precisa ser defendido. A lei tem que ser respeitada. E o sigilo, entendem os tribunais cada vez mais, se restringe aos serventuários públicos.


Para atenuar a ilegalidade, sua excelência tornou parcial a revogação. Permanecem sob segredo de justiça os ‘documentos bancários e fiscais constantes dos autos’. Esse, contudo, é um segredo de polichinelo. Todos que se manifestaram sobre a ação contra o crime de ‘colarinho branco’ dos Maioranas conhecem esses documentos, que já foram tema de várias reportagens nos últimos anos. Em nenhum momento foi alegado prejuízo para o interesse público com essa publicidade.


Pelo contrário: é obrigação da imprensa tornar o cidadão ciente dos atos ilícitos e ilegais que resultam em desvio de dinheiro público, dinheiro que devia ser empregado em benefício de todos e não ser acessado à base da fraude por pessoas que o utilizam em benefício unicamente pessoal.


Juiz parcial


Os Maioranas, além da fraude nos depósitos de recursos próprios que não ficavam no caixa do Basa, praticaram crime de falsidade documental. Utilizaram notas fiscais frias para justificar a construção do primeiro galpão que abrigaria a fábrica de sucos. O prédio teria desabado por causa de um vendaval, que atingiu única e exclusivamente a unidade da Tropical Indústria Alimentícia (depois Bis e agora Fly).


A edificação nunca foi levantada e as notas fiscais foram fornecidas graciosamente por um amigo da dupla. A Receita Federal cruzou os dados e chegou a essa conclusão, admitida pelo cúmplice na manobra. Os crimes de falsidade ideológica e uso de documentos falsos, contudo, não constam da denúncia do MPF.


Os dados são tão categóricos que até hoje os réus não conseguiram uma defesa de mérito, tendo que utilizar elementos formais e sofismas para protelar o que parece inevitável: a sua condenação. Por ter elementos de prova tão sólidos, o Ministério Público Federal propôs contra eles uma ação penal pública. Era para que a sociedade acompanhasse a apuração dos crimes praticados e verificasse que o poder público não ia deixá-los impunes. O papel da imprensa também é esse.


Os Maioranas desempenham essa função à exaustão, até mesmo à saturação, como têm feito nas últimas semanas em relação ao ex-governador Jader Barbalho. São editoriais diários, notas na coluna Repórter 70, notícias redundantes, fotos humilhantes (como Jader tentando esconder com um livro as algemas que a Polícia Federal lhe pôs ao levá-lo preso de Belém para depor no Estado de Tocantins) com o objetivo de punir o cidadão, que também teria desviado dinheiro da Sudam, através de prepostos, para seus próprios bolsos.


De uma maneira ou de outra, com maior ou menor valor, os Maioranas repetiram o ato que só condenam quando é praticado pelos outros. Quando são os personagens, consideram o autor das matérias alvo de suas represálias por terem cometido o pecado de considerar como iguais cidadãos que se atribuem uma condição especial, colocando-se acima do bem e do mal, como se fossem inimputáveis.


Talvez a campanha contra Jader Barbalho não estivesse tão incrementada se ele seguisse o único rumo que os Maioranas admitem dentro do seu império (que é assim que consideram o Estado do Pará): a submissão, ou pelo menos a adesão. Jader cometeu seus crimes e terá que pagar por eles, caso provados, o que se espera que ocorra em tempo hábil. Mas não foi apenas isso (nem principalmente isso) que o tornou inimigo número um do grupo Liberal: é porque decidiu concorrer com os Maioranas e ser um pólo de poder autônomo, independente deles.


A campanha das Organizações Romulo Maiorana se tornou selvagem e até inócua porque já não toma como base apenas os fatos. Para a família Barbalho, a ofensa pessoal é um recurso tão lícito quanto a boa cobertura que deu à censura do juiz Campelo, fundada em fatos. A família Maiorana não discrepa dessa fórmula, que se tornou equivalente à dos inimigos quando comercialmente o poderoso conglomerado deixado aos herdeiros por Romulo Maiorana começou a perder força, Jader não foi destruído politicamente, sobreviveu ao rompimento com Ana Júlia Carepa, recebeu o apoio do governador Simão Jatene e agora tem alguma perspectiva de recuperar o mandato de senador, com a conclusão da votação sobre a lei da ficha limpa pelo Supremo Tribunal Federal. O grupo Liberal acha que pode impedir esse retorno. Não importa como.


Nunca a guerra entre as duas famílias que dividem o controle das comunicações e do poder no Pará foi tão radical e violenta. Digladiando-se diariamente sem qualquer medida de valor, eles não percebem que o campo de batalha já não é exatamente o mesmo. A sociedade está cansada desses extremos, dos atos de força, do achincalhe, do desrespeito aos direitos fundamentais. E do discurso que sói se sustenta no ataque e é falacioso quando na defesa.


Ao violar um desses direitos, a liberdade de informação e de expressão, o juiz federal Antonio Carlos Almeida Campelo entrou nesse tiroteio. E entrou de forma tão parcial e unilateral quanto os principais protagonistas. O que ele provocou foi um dos atos mais crus e grosseiros de censura à imprensa que a justiça, exercida por integrantes que abusam de seus direitos, já endossou, assumindo o papel que não lhe cabe. O de enfraquecer – ao invés de fortalecer – a democracia no Brasil.


Leia entrevista de Lúcio Flávio Pinto.

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Jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)