Impressiona o crescente espaço destinado à violência nos meios de comunicação, sobretudo no telejornalismo. Catástrofes, tragédias e agressões, recorrentes como chuvas de verão, compõem uma pauta sombria e perturbadora.
A violência, por óbvio, não é uma invenção da mídia. Mas sua espetacularização é um efeito colateral que deve ser evitado. Não se trata de sonegar informação. Mas é preciso contextualizá-la. O excesso de violência na mídia pode gerar fatalismo e uma perigosa resignação. Não há o que fazer, imaginam inúmeros leitores, ouvintes, telespectadores e internautas. Acabamos, todos, paralisados sob o impacto de uma violência que se afirma como algo irrefreável e invencível. Assiste-se aos arrastões nas avenidas, praças e marginais como parte do cotidiano das cidades sem segurança. Não pode ser assim. Podemos todos – jornalistas, formadores de opinião, estudantes, cidadãos, enfim – dar pequenos passos rumo à cidadania e à paz.
Os que estamos do lado de cá, os jornalistas, carregamos nossas idiossincrasias. Sobressai, entre elas, certa tendência ao catastrofismo. O rabo abana o cachorro. O mote, frequentemente usado para justificar o alarmismo de certas matérias, denota, no fundo, a nossa incapacidade para informar em tempos de certa normalidade. Mas mesmo em épocas de crise (e estamos vivendo uma importante crise de segurança pública) é preciso não aumentar desnecessariamente a temperatura. O jornalismo de qualidade reclama um especial cuidado no uso dos adjetivos. Caso contrário, a crise real pode ser amplificada pelos megafones do sensacionalismo. À gravidade da situação, inegável e evidente, acrescenta-se uma dose de espetáculo. O resultado final é a potencialização da crise. Alguns setores da mídia têm feito, de fato, uma opção pelo negativismo. O problema não está no noticiário da violência, mas na miopia, na obsessão pelos aspectos sombrios da realidade. É cômodo e relativamente fácil provocar emoções. Informar com profundidade é outra conversa. Exige trabalho, competência e talento.
Drogas, marginalidade e criminalidade
O que eu quero dizer é que a complexidade da violência não se combate com espetáculo, atitudes simplórias e reducionistas, mas com ações firmes das autoridades e, sobretudo, com mudanças de comportamento. Como salientou certa vez o antropólogo Roberto DaMatta, “se a discussão da onda de criminalidade que vivemos se reduzir à burrice de um cabo de guerra entre os bons, que reduzem tudo à educação e ao `social´, e os maus, que enxergam a partir do mundo real – o mundo da dor e dos menores e maiores assassinos – e sabem que todo ato criminoso é também um caso de polícia, então estaremos fazendo como as aranhas do velho Machado de Assis, querendo acabar com a fraude eleitoral mudando a forma das urnas”. O que critico não é a denúncia da violência, mas o culto ao noticiário violento em detrimento de uma análise mais séria e profunda.
Precisamos, ademais, valorizar editorial e informativamente inúmeras iniciativas que tentam construir avenidas ou vielas de paz nas cidades sem alma. É preciso investir numa agenda positiva. A bandeira a meio pau sinalizando a violência sem-fim não pode ocultar o esforço de entidades, universidades e pessoas isoladas que, diariamente, se empenham na recuperação de valores fundamentais: o humanismo, o respeito à vida, a solidariedade. São pautas magníficas. Embriões de grandes reportagens. Denunciar o avanço da violência e a falência do Estado no seu combate é um dever ético. Mas não é menos ético iluminar a cena de ações construtivas, frequentemente desconhecidas do grande público, que, sem alarde ou pirotecnias do marketing, colaboram, e muito, na construção da cidadania.
A preocupação social, felizmente, começa a mobilizar muita gente. Multiplicam-se iniciativas sérias de promoção humana. Conheço de perto uma obra notável. Sob inspiração da prelazia do Opus Dei, foi fundado em 1985 o Centro Educacional e Assistencial de Pedreira (www.pedreira-centro.org.br). Nasceu de um ideal de diversos profissionais e estudantes preocupados em organizar um trabalho social sério na zona sul de São Paulo. Após estudo da situação e das suas necessidades, verificou-se que no Bairro de Pedreira, a 30 km do centro da capital paulista, jovens de 10 a 18 anos se encontravam em situação de grave risco social, expostos a drogas, marginalidade e criminalidade. Implementou-se, então, uma escola técnica para jovens carentes que dispusesse de tudo o que uma escola de “primeira linha” pode oferecer.
Um modo de construir a paz
A Pedreira – como é carinhosamente conhecida – tem atualmente capacidade para 500 alunos e conta com aproximadamente 5 mil m2 de área construída, distribuídos num terreno de 23 mil m2. Oferece cursos básicos de Eletricidade Residencial e Industrial, Auxiliar de Informática e Informática Aplicada, e cursos técnicos de Administração e de Redes de Computador e Telecomunicações, com duração de um a dois anos.
Muitos dos alunos são a principal fonte de renda em sua família, o que constitui um impacto social relevante. Além disso, deixam a escola com a clara consciência da necessidade de estudar com afinco e dedicação. Com essa mentalidade, é comum que muitos dos alunos da Pedreira cheguem ao nível universitário, uma meta quase impensável no início de seus estudos, em virtude de suas difíceis condições de vida. Mudar é possível.
Por isso, os esforços da Pedreira e de tantas pessoas engajadas no mutirão da inclusão merecem registro jornalístico. Não resgatarão, por óbvio, nossa imensa fatura social, mas sinalizam uma atitude importante: olhar a pobreza não com o distanciamento de uma pesquisa acadêmica, mas com a fisgada de quem se sabe parte do problema e, Deus queira, parte da solução. Iluminar boas iniciativas e construir uma agenda positiva é um modo de construir a paz.
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[Carlos Alberto Di Franco é diretor do master em Jornalismo, professor de Ética da Comunicação e representante da Faculdade de Comunicação da Universidade de Navarra no Brasil]