Desde que o bilionário Jeff Bezos, criador e dono da Amazon, comprou o “Washington Post”, no fim de 2013, Marty Baron, 60, tornou-se um dos editores mais invejados (e acompanhados) do mundo.
Apenas no último ano, contratou 100 repórteres e 40 engenheiros para modernizar a Redação de 680 jornalistas e viu a audiência na internet crescer 60% (para 50 milhões de visitantes únicos/mês).
Em fevereiro, o jornal foi considerado a empresa “mais inovadora da mídia” norte-americana pela revista “Fast Company”. Em abril, ganhou mais um Pulitzer, maior prêmio do jornalismo do país.
Com quase 40 anos de carreira, Baron diz que há um “enorme mercado” para jornalismo sério e aprofundado e que produzir histórias “frívolas” para aumentar a audiência na internet destrói a identidade do jornal e aliena o “leitor de sempre”.
Ele recebeu a Folha em seu escritório, no centro da capital americana.
O que mudou desde que Bezos comprou o jornal?
Marty Baron – Bezos trouxe perguntas sobre como fazemos as coisas, estratégias, processos que não eram questionados. Trouxe ideias em várias áreas, nós tínhamos as nossas e ele foi muito receptivo. E trouxe capital, o que é muito importante, nessa transição complicada do impresso para o digital. Precisamos fazer investimentos no futuro e experimentos digitais custam dinheiro.
Bezos acha que o jornal pode dar dinheiro? Muita gente acha que ele comprou pelo prestígio.
M.B. – Ele disse no início que pensou em três pontos. O primeiro era a importância da instituição. O segundo era se ele poderia ser otimista –e concluiu que sim.
E, três, se ele teria algo a contribuir, a oferecer. Dado o seu conhecimento de internet, achou que sim. Bezos não estava vindo com uma poção mágica. Explicitamente, ele disse não ter uma.
E ainda não descobrimos como fazer dinheiro.
A Amazon mudou todo o ambiente do varejo, mas levou anos e anos para fazer sucesso. Houve várias previsões de que fracassaria. Bezos só é dono do jornal há um ano e meio. Se formos espertos e tivermos sorte, seremos bem-sucedidos também.
Há um investimento enorme em medir o comportamento do leitor digital: o que ele lê, o que ignora, quanto tempo gasta por reportagem. Qual foi a maior surpresa?
M.B. – Vários clichês foram confirmados. A porcentagem de quem lê um texto até o final é muito menor do que a gente pensa. Uma típica reportagem é lida até o final por 1%, 2% dos leitores.
Mas há dois lados da moeda. Várias reportagens longas, bem-feitas, estão entre as mais lidas. Há um enorme número de gente que gasta muito tempo em narrativas aprofundadas. Não é verdade que texto longo afaste leitor.
Assuntos popularescos que fazem barulho na internet espantam o leitor tradicional?
M.B. – Há um enorme mercado para assuntos sérios. Mas não é porque são sérios que precisam ser chatos. Na nossa profissão, se a história parecer interessante demais, tem gente que acha que está sacrificando a seriedade. Mas contar uma história séria de forma envolvente é um enorme desafio. Essas são as mais lidas.
Não há a pressão para competir com o “BuzzFeed” [site famoso por criar listas]?
M.B. – Não queremos só histórias frívolas. Seria destrutivo para nossa marca, nossa identidade. Não queremos ser o “BuzzFeed”. Eles fazem coisas interessantes, usam técnicas e dados que acompanhamos, escrevem títulos de um jeito muito interessante. Não precisamos ser o “BuzzFeed”, ele já existe. Não temos equipe para isso e estaríamos alienando o leitor de sempre.
Além da tecnologia, o que pode melhorar no jornalismo e na maneira de contar histórias?
M.B. – A narrativa mudou muito com a interatividade. O mais interessante é a integração das ferramentas em um único texto, nos lugares apropriados, dar o contexto.
Se numa reportagem você narra a gafe de um político ou uma violência policial e tem o vídeo, pode mostrar ali, na hora. Coloque o gráfico, a cópia do documento para quem quiser se aprofundar. Não separado, em outro lugar, como acontecia muito no passado. Tem que estar tudo bem trançado. É para isso que investimos tanto em tecnologia.
A soma da publicidade e dos assinantes digitais bastará para pagar os custos dessa operação tão cara?
M.B. – Sempre haverá demanda por notícias. Não tenho a resposta de como fazer dinheiro agora, sinto muito (ri). Fazer o impresso e o digital ao mesmo tempo é um desafio.
Ao mesmo tempo, temos que investir no nosso futuro, ter as capacidades digitais que assegurem nosso sucesso. Se fossemos apenas digital, as receitas e os custos seriam menores, sem gráficas, papel, caminhões de entrega. A produção teria menos gente.
Também não sabemos se o tipo de publicidade de hoje será o do futuro.
Com esses investimentos, como o conteúdo está mudando?
M.B. – Falei muito de negócios, mas a minha paixão, o que me mantém nesse meio, são o jornalismo e a reportagem, e temos muito do que nos orgulhar. O Pulitzer deste ano foi para uma reportagem nossa sobre falhas do Serviço Secreto –como o nome diz, é secreto, e nossa repórter conseguiu desvendá-lo.
As revelações de Snowden sobre a NSA foram revolucionárias. Temos feito reportagens sobre pobreza, drogas, saúde mental, temas ainda evitados na mídia e na sociedade. Gosto do jornalismo que explica o mundo, explica assuntos com nuances.
Tudo o que puder fugir de slogans de políticos, de comentaristas com frases feitas.
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Raul Juste Lores, da Folha de S.Paulo, em Washington