Fenômeno interessante, e merecedor de uma análise mais apurada, é o que ocorre com o jornalismo, principalmente nas cidades interioranas; uma prática, talvez, que se poderia classificar como ‘jornalismo de esteira’.
Tomemos por exemplo as recentes eleições municipais – período que encerra tantas paixões e interesses – e, em particular, as realizadas na estância turística de Barra Bonita, cidade do interior paulista, com aproximadamente 27 mil eleitores.
Depois de acirrada disputa, o candidato Dimas de Sales Paiva (PSDB), da coligação ‘A hora é essa’, venceu o pleito por uma diferença de 25 votos do segundo colocado, padre Mário Donizete Floriano Teixeira (PT-PP). Todavia, desde as primeiras horas da apuração dos votos, no dia 3 de outubro, corria à boca miúda, senão às escâncaras, que houvera irregularidades – e não tardou para que uma série de denúncias envolvendo a compra de votos viesse à tona.
Na última semana antes da eleição, o episódio ganhou relevo com reportagens televisivas de Sandro Barboza, veiculadas no Jornal da Band, com entrevistas e até gravações com câmara escondida, comprovando as denúncias. O jornal regional da TV Tem (Bauru, SP) também apresentou notícias relacionadas ao fato.
Não se pretende nesse artigo julgar a questão – esta cabe à Justiça eleitoral, depois de acatadas as provas e aceitas as denúncias da ação impetrada pelo diretório do PT –, mas demonstrar o fenômeno acima mencionado relativo à prática jornalística comum a muitas cidades do interior.
Dimensão da realidade
Entendamos: somente depois da veiculação televisiva das reportagens citadas é que os jornais e a imprensa da região começaram a se interessar pelo assunto. Daí a classificação de ‘jornalismo de esteira’ – acorreram todos à cidade vizinha para repercutir os fatos, sem no entanto trazer nada de novo, nada que fosse resultado de um jornalismo investigativo.
Quase um mês após o resultado do escrutínio, a imprensa da região resolve levantar os olhos do próprio umbigo para olhar ao redor – até então não havia se dignado a tanto, nem as rádios nem os jornais, inclusive o principal periódico da cidade de Jaú, a 23 km de Barra Bonita.
No mínimo, lamentável – sem dizer que o recurso mais utilizado nas redações é ‘copiar’ e ‘colar’, na reprodução de matérias de outros jornais – quando muito o deslocamento de um profissional para repetir as mesmas perguntas.
As questões importantes (por um ou outro motivo) acabam não sendo levantadas; por exemplo, quem são os financiadores da campanha de determinado candidato, quais os grupos empresarias que declararam apoio e a quem, quais os possíveis interesses desses grupos, qual o valor da arrecadação de impostos do município (que, aliás, abriga uma das maiores usinas de açúcar e álcool da América Latina, a Usina da Barra, pertencente ao grupo Cosan) etc., questões que podem dar a dimensão da realidade sociopolítica nesses recônditos (ou nem tanto) do país.
Vítima e algoz
Tal cobertura jornalística só não é pior daquela praticada pela imprensa local, no caso citado, uma vez que o principal jornal (além da estação de rádio) de Barra Bonita pertence ao grupo empresarial que apoiou o prefeito eleito (acusado de usar os referidos estratagemas para garantir a vitória). Diga-se apoio explícito com direito a participação ativa do empresário (do referido grupo) no palanque dos showmícios (patrocinados por ele, claro, que também prometeu para o próximo ano um grande carnaval para a cidade).
Pode parecer estarrecedora a ocorrência de tais fatos em pleno século 21 – compra de votos, voto por cabresto, revanchismos etc., – práticas vergonhosas, reveladoras da miséria, da falta de educação e politização, da ausência de qualquer vestígio de cidadania. Demonstra também o caráter duvidoso daqueles que empregam quaisquer meios para chegar ao poder ou permanecerem nele, além da inépcia e apatia dos meios de comunicação locais, senão promiscuidade de muitos deles que permanecem atrelados a interesses particulares, longe de prestar um serviço público de informação responsável, submetidos que estão aos desmandos capitalistas.
Padecem, depois, o próprio povo, vítima e algoz de si mesmo, e a democracia – ideal cada vez mais distante de realizar-se efetivamente na sociedade além dos limites do voto (muitas vezes comprado e/ou negociado).
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Poeta, Jaú, SP