Depois de três meses sem receber salários nem benefícios, com sua empresa editora sob intervenção da justiça trabalhista e enfrentando o jogo pesado dos proprietários do negócio, os jornalistas do jornal Crítica de la Argentina ainda conseguem manter forças para resistir.
O diário começou a circular em março de 2008, e logo demarcou um novo referencial na cobertura dos assuntos argentinos. Mal comparando, estava mais próximo da ousadia criativa de um Libération que da consistência sisuda de um Le Monde.
A independência editorial de Crítica, exercida num ambiente contaminado pelo crescente esgarçamento das relações entre o governo federal e a mídia crítica, logo cobrou o seu preço. A publicidade oficial minguou, a discriminação na dotação das verbas de propaganda ficou cada vez mais evidente, a empresa editora de Crítica foi vendida a um empresário espanhol associado a um argentino, e o caldo definitivamente entornou em maio último, quando o jornal interrompeu a circulação diária e tirou do ar o seu site.
De fato e de direito
Os jornalistas, contudo, não deixaram barato. Mantiveram-se mobilizados, exigiram – e conseguiram – o pagamento dos atrasados que se acumulavam desde outubro do ano passado, foram à Justiça reivindicar seus direitos trabalhistas, promoveram manifestações de rua e, no entremeio, ocuparam a redação da Calle Maipu 271, na região central da capital argentina.
Mais do que isso: com o apoio de parlamentares de oposição, de sindicatos e entidades não vinculados ao oficialismo kirchenista, colocaram novamente o jornal na rua, agora sem periodicidade definida. Na segunda-feira (19/7), começou a circular a terceira edição de resistência, de 40 páginas, formato berliner, com cinco mil exemplares de tiragem. Pouco para a média diária de dez mil cópias que o jornal vendeu em 2009, mas ainda assim um ato carregado de profundo significado simbólico.
Na primeira página, o logotipo modificado: em vez de Crítica de la Argentina aparece Crítica de los Trabajadores. Não há preço de capa, mas o aviso de ‘contribución solidaria’. No miolo, anúncios bancados por dezesseis sindicatos, oito organizações não-governamentais, dez políticos ou blocos parlamentares e dois bancos.
A edição oferece um cardápio diversificado de assuntos. A matéria principal trata da recente aprovação pelo Senado argentino da legislação sobre a união civil entre pessoas do mesmo sexo – o primeiro país da América Latina a reconhecer esse direito. De quebra, muita reportagem, entrevistas e um perfil demolidor de Carlos Mateu, atual presidente da empresa Papel 2.0, controladora de direito do Crítica, um negociador duro com quem os funcionários do jornal estão em guerra aberta.
Papel 2.0 é a dona de direito, mas, de fato, são os jornalistas que estão no comando de Crítica. Todos envolvidos em uma encarniçada luta política enquanto fazem o que melhor sabem fazer: jornalismo.