Porque pagam gorda publicidade à imprensa, os ordenadores das verbas públicas se acostumaram mal ao jornalismo. Acham que repórter é escrivão da frota: está ali para reproduzir o que ditam. E o que ditam é a verdade, vox dei. Qualquer jornalista que tenta desempenhar sua verdadeira função é hostilizado. Ligam direto para o patrão e reclamam o cala-boca no incauto. Texto jornalístico, sem os alertas de estilo, se tornou matéria paga. O leitor compra gato por lebre. A empresa fatura mais (e ainda acha que quem a lê, acredita).
Na sua versão contemporânea, essa promiscuidade começou na administração do simpático agrônomo Elias Sefer na Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia, na segunda metade da década de 1970. Até então todos os jornais cobriam normalmente as reuniões do Conselho Deliberativo da Sudam, que, mesmo durante o regime militar, costumavam render bom caldo (sem chegar a caracterizar o local como ‘o auditório da Amazônia’, pretensão exagerada dos seus participantes).
Sefer passou a pagar as matérias, garantindo sempre uma página inteira de cobertura. O espaço era generoso, mas o conteúdo foi-se esvaziando. Esse é o inevitável efeito colateral da imprensa mercantil, que os mercadores e quitandeiros desdenham, sem conseguir anular.
Cascudos e catiripapos
De lá para cá, a dependência do vil metal oficial sufocou o jornalismo nas empresas jornalísticas. Com o agravante de que muitos jornalistas se esqueceram de que não ocupam seus cargos para incensar o anunciante (mal) disfarçado. O patrão é o que lhe paga o salário, mas o que faz se destina ao leitor, não ao freguês da quitanda.
Vai daí que constantemente estão a se repetir as carraspanas dos sobas provinciais em cima de jornalistas incômodos, sejam eles homens ou mulheres. Em matéria de puxão de orelha e cascudo, ninguém pode reclamar discriminação. Desses infortúnios, só os chapas-brancas estão isentos. Como também do jornalismo de verdade.
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Editor do Jornal Pessoal, de Belém (PA)