Jornalista “em pé” e jornalista “sentado”. Duas expressões muito discutidas em sala de aula desde o início do curso de Jornalismo. Falamos aqui de uma pequena turma de estudantes vindos de várias partes do país que se encontraram no interior de Mato Grosso. Cada um com ideias e costumes diferentes, agora diante da reflexão proposta pelo professor: “Jornalista em pé? Jornalista sentado?”
Para aprofundar a reflexão proposta, o grupo de alunos foi apresentado a dois grandes nomes do jornalismo brasileiro. Primeiro, Ricardo Kotscho, em 2015/1, dizendo que lugar de repórter ainda é na rua. O livro Lugar de repórter ainda é na rua, de 2010, de autoria de Mauro Junior e José Roberto Ponte, resgata a trajetória de mais de 40 anos de jornalismo do profissional e fez com que a maioria sentisse vontade de ter vivido a mesma época, contando as mesmas histórias. Em seguida, neste semestre, as reportagens históricas de Audálio Dantas, publicadas nos anos 60 e 70 nas revistas O Cruzeiro e Realidade, no livro Tempo de Reportagem, de 2012, que reafirmam o sentimento.
Na primeira obra, Kotscho, por meio de suas histórias, trazidas à tona por Junior e Ponte, narra cronologicamente sua vivência, seu relato humanizado sempre junto de seu inseparável bloquinho de anotações. Os textos guiam a história, ampliam os sentidos, nos convidam a compartilhar cada sentimento. Os personagens nos inspiram, seus relatos nos forçam, positivamente, a enxergar o não óbvio, o que está nas entrelinhas, como no episódio da visita do então presidente Costa e Silva a São Paulo.
Enquanto todos os jornalistas corriam para conseguir uma entrevista com a autoridade, Kotscho optou pelo anônimo senhor que vendia pipocas no local. Quis saber sua opinião sobre a situação do país, sobre a visita e anotou todas as colocações para depois desenvolver sua matéria. Na época, muitas críticas foram feitas e ele ficou conhecido como o “repórter do pipoqueiro”, mas naquele momento ele começava a registrar sua marca no jornalismo.
Textos curtos para leituras rápidas
Adepto do new journalism, com seu inconfundível estilo literário, Audálio Dantas presenteia seus leitores com reportagens que aproximam o público dos fatos vivenciados por ele. A linguagem introspectiva e o certeiro uso de adjetivos, descrições de cenários e personagens, rompem o lead engessado dos textos jornalísticos. Em uma de suas falas, o repórter comenta que muitas vezes deixava de seguir o convencional para relatar o fato de forma fiel, como realmente havia acontecido.
Na reportagem “Nossos desamados irmãos loucos”, sobre um hospital psiquiátrico mantido pelo governo de São Paulo, de forma brilhante diz que deixou de lado o “quando” no momento de montar seu texto, e ressalta que “a tragédia do Juqueri não tinha propriamente um quando, aquilo era coisa de um tempo sem memória” (p.48).
Em tempos de excesso de informações e aprimoramento das tecnologias nos meios de comunicação, ler reportagens com o viés literário dos dois jornalistas citados reascende a esperança de um jornalismo preocupado com o lado humano dos personagens, fazendo deles o principal enfoque da história. Hoje, cada vez mais, as redações se dedicam ao jornalismo factual, imediato, com textos curtos para leituras rápidas. Isso impede as grandes empresas de manterem repórteres em campo por mais tempo. A redução de gastos e a concorrência também determinam esta situação, além do novo perfil de leitores, sempre sem tempo para uma leitura mais aprofundada. O jornalismo cara a cara vai se perdendo na rapidez da era digital.
As provas comprovam
Alguns trechos da última avaliação da disciplina “Redação, Reportagem e Entrevista I”, ministrada pelo professor Gibran Lachowski, relativos à questão “Analise o jeito Audálio Dantas de fazer jornalismo”, mostram que a reflexão proposta ainda no início das aulas surtiu efeito em acadêmicas que, em sua maioria, já nasceram na era da internet, mas também, em meio ao auge das trilogias ficcionais que são literatura pura.
O que vem abaixo, escrito no momento da prova (feita em 11 de novembro), é o que pensamos e sentimos e, por isto, entendemos ser importante fazer este resgate.
“Audálio Dantas não gosta de ficar dentro da redação esperando pautas caírem do céu” (…) “é o repórter que pergunta”.
“A maneira como Audálio trabalha e desenvolve seus textos é um balde de gelo nos focas” (…) “Reforça a arte de sujar os sapatos” (…) “Suas conotações continuam a informar, mas de maneira estética e humanamente bela”.
“Seus textos humanizam o jornalismo, aproximam o leitor da história” (…) “Relata histórias do cotidiano de anônimos de forma envolvente, entusiasmada e criativa” (…) “Feito por um jornalista disposto a buscar boas histórias, como deveria ser até hoje”.
“Um repórter que acreditava que a melhor forma de transmitir a realidade do fato era vivendo-a”.
“Possui sensibilidade, compaixão, humanismo” (…) “Ele gasta a sola do sapato”.
*** Se a alma e os pensamentos são considerados velhos, antiquados, para essas alunas ainda engatinhando na vida acadêmica, são ideias que as fazem ter esperança de viver na atualidade dias de jornalismo feito olho no olho, por apaixonados pelo processo que envolve a criação de um bom texto, desenvolvido a partir de histórias reais.
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A equipe de estudantes de Comunicação Social, autora deste trabalho, é formada por Caroline Lynch, Kálita Skilof, Luiza Purcino, Adriana Porto e Neila Grenzel . Elas foram orientadas pelo professor Gibran Lachowski, no campus do Alto Araguaia, da Universidade do Estado do Mato Grosso.