A jornalista Carmen Aristegui, âncora da CNN em espanhol e colunista do prestigioso jornal mexicano Reforma, uma das mais respeitadas profissionais no país, corre, de novo, os riscos do seu oficio, um dos mais perigosos no México: nos últimos três anos foram assassinados 24 repórteres, editores e colunistas, 12 continuam desaparecidos. Crimes atribuídos à ferocidade do narcotráfico e, sobretudo, ao clima de impunidade reinante nas altas esferas – Poder Judiciário incluído.
Embora ameaçada e advertida por telefone, e-mails e até visitas de gente de peso, Carmen acaba de lançar o livro Transición: conversaciones y relatos de lo que se hizo y se dejó de hacer por la democracia en Mexico (Grijalbo, México, 2010).
Na obra, agora tema de discussões acesas nos bastidores da política e da vida cultural mexicanas, ela reúne os textos de 26 entrevistas que fez no rádio e na TV nos últimos anos, com figuras importantes de vários setores do cenário nacional, incluindo, além de ex-presidentes, escritores, historiadores, acadêmicos, deputados e senadores, banqueiros, ativistas de direitos humanos.
Tentativa de ‘convencimento’
Diante de Carmen, perguntadora incisiva, implacável, muito bem informada, eles se abriram, quem sabe até demais, escancarando os redutos sinistros e corruptos do sistema. Lidos em conjunto, de certa forma parecem representar um vigoroso ‘basta’ da sociedade – a exigência imediata de uma faxina geral, drástica, nas estruturas de poder.
A entrevista mais explosiva é a do ex-presidente Miguel de la Madrid denunciando as ligações do poderoso Partido Revolucionário Institucional (PRI) com o narcotráfico – desgraça maior do México. Nessa denúncia, sobra para outro presidente, Carlos Salinas de Gortari, ainda hoje muito influente na política mexicana, manipulador-chefe dentro do PRI e em outras áreas de influência no país.
Salinas, claro, declarou-se indignado – ‘iracundo’, segundo testemunhas – com certas revelações na entrevista e agora, na iminência de ver tudo reiterado em livro, despachou aspones para ‘convencer’ Carmen a não publicar o texto. Mas ela, que nos últimos quinze anos de carreira enfrentou outras barras do gênero, resistiu firme e foi em frente.
A transição democrática
Outra entrevista de forte conteúdo é a do ex-chanceler Jorge Castañeda, contando como os apresentadores mais graduados da maior rede de TV do México, a Televisa, se corrompem para servir os patrões e o mesmo tempo aos altos poderes da República. Castañeda, escritor de talento e cientista político de estilo contundente, provocador, mexe num tremendo vespeiro ao criticar a poderosa Televisa que, em alguns aspectos, lembra a Globo e suas manobras de sobrevivência política e econômica.
Em sua coluna semanal no Reforma, outra jornalista de renome, Lydia Cacho, vítima também de arbitrariedades e perseguições por causa de um livro de denúncias sobre uma rede de pedofilia no país com ramificações no andar de cima, resume suas impressões sobre o trabalho da colega:
‘Minha sensação, ao terminar a leitura do livro de Carmen Aristegui, entrevistadora magistral, é que por tudo que eles fizeram, legitimaram, disseram ou deixaram de fazer, agora nos ajuda a entender por que o México está como está… Livro imprescindível, bom jornalismo para tempos de incerteza.’
Ainda sobre o tema da transição democrática, iniciada em 2002, quando o PRI perdeu as eleições presidenciais depois de 70 anos de poder absoluto, talvez a melhor reflexão, alerta Lydia Cacho, seja a do cientista político Roger Bartra:
‘Perdemos a alma, mas não ganhamos a consciência…’
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Jornalista, ex-correspondente de Veja no México e América Central