O ritmo é menos intenso e continuo mas, como acontece no Brasil, não tem deixado de alimentar, nos últimos meses, as pautas e colunas políticas dos jornais e revistas e horário nobre das TVs, criando na opinião pública uma sensação de déjà vu, além de um nada saudável desencanto e ceticismo na hora de ir às urnas. ‘Outra vez? Mas esses caras ainda não foram presos e condenados?’ – é o que se pergunta o cidadão médio mexicano mais informado, farto e enojado de tanta pilantragem nos meios políticos do país.
Agora, trata-se do equivalente ao nosso fértil e inesgotável valerioduto, um esquema conhecido como ‘videoteca Ahumada’. O nome faz referência ao empresário argentino Carlos Ahumada, preso ano passado acusado de, com sua imensa fortuna de empreiteiro de obras e espertíssimas ligações no mundo político, incluindo aventuras eróticas com figuras femininas públicas, corromper funcionários do governo de esquerda da Cidade do México para conseguir contratos milionários. Ahumada aproveitou a deixa para exercer sua influência ‘sugerindo’ candidatos convenientes – gente que poderia, eventualmente, favorecer ainda mais os seus já prósperos negócios.
Tudo documentado em vídeos que mostram como os tais funcionários enchiam maletas e bolsos de ‘verdinhas’ e ainda pediam mais algum. Câmaras colocadas na sala de reuniões de Ahumada gravavam suas conversas e acertos com os poderosos de turno e o valioso material era arquivado para uso futuro.
Semana passada, mais um vídeo desses apareceu de mão beijada nos jornais e emissoras de TV, revelando tretas mais comprometedoras como, por exemplo, por meio de outras maletinhas providenciais, o financiamento de campanhas eleitorais país afora. E de novo a políticos de esquerda, de uma maneira ou outra ligados ao candidato do Partido de la Revolución Democratica (PRD) Andrés Manuel López Obrador, para as eleições presidenciais de julho de 2006, com boas possibilidades de ganhar e levar. Era preciso então, já e de qualquer maneira, brecar López Obrador e, por tabela, o avanço da esquerda rumo à residência oficial de Los Pinos.
Lata de lixo
Independente da existência mais que comprovada de atos de corrupção governamental e as negativas de praxe dos envolvidos – ‘Yo no fui’ –, essa é uma das explicações dos analistas políticos para o atual clima agitado e turvo da política mexicana, quando os meios de comunicação se lançam, na base de vazamentos de dossiês e de vídeos, numa orgia de denúncias – convertendo-se no que o colunista Jorge Zepeda Patterson, do diário El Universal, denuncia como ‘el basurero de la política’ (a lata de lixo da política). Escreveu Zepeda Patterson:
‘Os tais vídeos e vazamentos não são resultado da investigação jornalística; são, isto sim, meras secreções da classe política: vinganças, ataques, eliminação de rivais, golpes baixos. Os meios de comunicação estão fascinados com a súbita audiência que lhes proporciona um escândalo… O que está acontecendo é que eles, os políticos, nos estão utilizando para fazer o trabalho sujo: aniquilar os que lhes resultam incômodos e desprestigiar as facções e partidos rivais.’
Qualquer semelhança com o Brasil não é mera coincidência…
Uma maneira de evitar que os políticos usem a imprensa séria, ainda segundo Zepeda Patterson, é usar cada um desses vazamentos como matéria-prima para investigar de forma mais ampla esses assuntos, ‘o que nos permitiria contextualizar, explicar e estender o fenômeno que se denuncia’.
Seria importante também, para desviar-se desse caminho fácil do vídeo ‘special delivery’, de procedência pouco questionada, estimular dentro dos jornais e emissoras de TV uma cultura de investigação própria, orientada pela direção da empresa jornalística e conduzida, com competência e sobriedade, por repórteres e colunistas políticos. ‘Ao divulgar esses escândalos sem nuances, não só não sanearemos as práticas dos políticos como acabaremos nos tornando cúmplices dos mais poderosos e sinistros entre eles’, finaliza Zepeda Patterson.
Autoridades de respeito
Essa auto-análise de certos truques e recursos ‘amarillistas’ (sensacionalistas) feita por um dos mais respeitados órgãos de imprensa do México, o jornal El Universal, já pode ser considerado lucro no meio de tanta safadeza dos políticos, peixes grandes, pequenos e médios, levando em conta que a imprensa mexicana em geral não se dispõe, com tranqüilidade e sem arrogância, a reconhecer suas falhas e carências.
Outro jornal importante, o Reforma, também tem mostrado, em seus editoriais e colunas, preocupação com o problema, sobretudo agora que a liberdade de expressão no país é completa e não pode correr riscos gratuitos devido a comportamentos sôfregos na busca do furo jornalístico.
Um resultado positivo dessa sujeira toda é a percepção popular, cada vez maior, de que há realmente há uma saída em perspectiva, pois o México conta com um órgão fiscalizador da maior seriedade e respeito – o IFE, Instituto Federal Eleitoral –, que trabalha com afinco e profissionalismo na vigilância e cumprimento da legislação eleitoral vigente, aí incluídos momentos políticos decisivos para o país, como as eleições presidenciais de 2006.
Agora, por exemplo, o IFE aplica toda sua atenção em duas iniciativas da maior importância para, de algum modo, coibir, ou pelo menos diminuir, as jogadas sujas de partidos e candidatos na busca de votos: primeiro, ‘solicitar’ aos órgãos de comunicação, sobretudo jornais e TVs, a apresentação regular de um relatório com os seus ganhos na publicidade eleitoral – notas, recibos, faturas, detalhes de programação e veiculação. Afinal, ninguém sabe com precisão quanto embolsam as emissoras Televisa e Azteca, mas a julgar pelos preços e custos estratosféricos dos spots noturnos, trata-se de milhões de dólares.
Na TV Azteca (canais 7 e 13), tanto no noticiário nobre – Hechos – como na hora das novelas, um spot político de 60 segundos custa 500 mil pesos, ou 50 mil dólares. Em horário no estelar, ou seja, das 6h às 17h, esse custo baixa para algo em torno de 220 mil e 500 pesos – ou cerca de 23 mil dólares.
Grana suspeita
A outra providência imediata do IFE é exercer maior fiscalização na forma como os partidos procuram e obtêm financiamento para suas campanhas. O IFE destina recursos generosos aos partidos para suas atividades eleitorais, mas o problema são as chamadas contribuições privadas, sobre as quais não há controle algum. ‘O financiamento privado é legal, mas deve obedecer a certos requisitos para evitar problemas’, diz Luis Carlos Ugalde, conselheiro presidente do IFE.
De agora em diante os partidos não mais terão direito ao sigilo bancário relacionado com seus movimentos em matéria eleitoral, terão a obrigação de entregar três relatórios de gastos ao longo das campanhas, além de não se beneficiarem mais da manjadíssima bonificação de spots em rádio e televisão.
Mas tudo isso vai funcionar mesmo? Responde o colunista político Miguel Angel Granados Chapas, do jornal Reforma, um dos mais prestigiosos jornalistas do país: ‘Tudo bem, mas seria ingênuo acreditar que as medidas vão de fato resolver esse problema na vida política do México’.
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Jornalista e escritor brasileiro radicado no México