Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Jornalismo na marra

No dia 21 de agosto de 2012, por volta das 14 horas, um operário de 34 anos caiu de uma altura equivalente a quatro andares. O acidente aconteceu no canteiro de obras dos cinemas de um novo shopping na zona sul do Recife. O homem foi socorrido e levado para o Hospital da Restauração, na região central da capital pernambucana. Deu entrada por volta das 15h30. Já estava morto.

O episódio praticamente não recebeu atenção dos grandes jornais da cidade. Pesou o fato de o shopping integrar um conglomerado empresarial que abrange também um importante grupo de mídia local. Um dos poucos veículos de comunicação a romper o silêncio foi um jornalzinho, cuja edição foi lançada em caráter extraordinário, em papel A4, sem fotos e impresso nas cores preta e vermelha. Tratava-se do A Marreta, o noticiário do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil e Pesada de Pernambuco.

 Segundo José Cavalcante de Sousa, 2º secretário do sindicato e um dos responsáveis pelo jornal A Marreta, a entidade tomou conhecimento da tragédia graças a denúncias dos próprios trabalhadores que testemunharam o acidente. “Fomos à obra e conversamos com os operários, de maneira sutil, pois o encarregado estava olhando”, revela Cavalcante.

Redator e sindicalista

 A trajetória da imprensa operária no Brasil é intrínseca à trajetória da própria classe operária organizada. Já no primeiro Congresso Operário Brasileiro, decidiu-se pela criação de um jornal agregador. O A voz do trabalhador alcançou uma tiragem de 4.000 exemplares em 1912 e inserção nacional, segunda faz saber Petrônio Domingues, no livro A nova abolição (Selo Negro, 2008).

Apesar dos avanços ao longo dos anos, há de se frisar ainda que existe uma miríade de pequenos sindicatos os quais, pulverizados, contam com um reduzido quadro de associados, poucos recursos e nenhum profissional de comunicação. Retrato relativamente comum, já que boa parte dos jornalistas acaba concentrada em poucos sindicatos maiores.

Assim, o que se vê na prática são diretores responsáveis por redigir e distribuir os jornais da categoria, isso em meio a outras atividades inerentes ao movimento. Este é o caso do jornal A Marreta, cuja periodicidade é trimestral. Em casos extraordinários, como em épocas de campanhas salariais, edições menores podem ser rodadas entre as publicações regulares. A tiragem de cada edição é de 20 mil exemplares. A confecção e a distribuição do jornal dos trabalhadores da construção civil estão diretamente ligadas aos trabalhos das equipes de fiscalização do sindicato. São cinco equipes, cada qual com quatro membros, responsáveis por fiscalizar as condições de trabalho e investigar denúncias em áreas geográficas específicas do estado. São eles que apuram e escrevem as matérias.

 O sindicato disponibiliza aos operários nos canteiros de obra os contatos telefônicos da própria entidade e de representantes das equipes de fiscalização. Muitas das pautas que chegam ao jornal são frutos de denúncias dos trabalhadores. Se a denúncia for grave, a equipe de fiscais que já está na rua é deslocada imediatamente para o canteiro. Caso não, a demanda é anotada pela telefonista e repassada para a equipe de fiscalização na manhã do dia seguinte. É deste trabalho de fiscalização que surgem os relatórios os quais são convertidos em matérias do A Marreta.

Talvez a parte mais trabalhosa do processo de confecção do jornalzinho seja a edição. Os fiscais, em seus trabalhos, acumulam muitas pautas as quais julgam merecer espaço no impresso, que possui apenas quatro páginas em formato A4. Já a simplória e tradicional diagramação do A Marreta, atualmente rodado em cores, é feita pela secretária da presidente da entidade, com apoio do tesoureiro.

Jornalista polivalente

Situação mais privilegiada é a do Sindicato dos Professores de Instituições Particulares de Pernambuco – Sinpro-PE. A entidade mantém uma jornalista e um publicitário em seu quadro.

Mas a missão do profissional de comunicação sindical é desafiadora. Os problemas começam nas escolas de Comunicação Social, as quais transmitem deficientemente às especificidades técnicas e teóricas da comunicação sindical.

O volume de trabalho do jornalista sindical é intenso. Vai da redação de matérias à produção de releases e relacionamento com a grande imprensa. No Sinpro, por exemplo, a jovem jornalista Mariza Lima praticamente precisa se virar sozinha para fazer a apuração e produzir os conteúdos que alimentam o site da entidade, as redes sociais e o jornalzinho classista O Corujinha.

A ajuda fica por conta dos diretores do sindicato em atividade no interior do estado. “Como tem assembleias no interior, não dá para eu ir cobrir. Nestes casos, o diretor que estava lá e coordenou a assembleia faz um relatório e envia para mim. Com base no relatório eu faço o texto”, esclarece Mariza.

O uso de assessoria de imprensa e de relações públicas, por seu turno, reflete a busca dos sindicatos por espaços na grande imprensa. A ideia que subjaz é que a captação da atenção nos mass media colaboraria, em meio ao jogo de posições, para alcançar receptores além do público abrangido pelos veículos sindicais.

A atividade de assessoria de imprensa no sindicato dos trabalhadores da construção civil é terceirizada. O jornalista recebe as notícias, requalifica os textos e tenta a divulgação junto à grande mídia. Já no Sinpro, é a jornalista da casa quem se encarrega da atividade.

Mariza Lima, do sindicato dos professores afirmou não ter dificuldades para emplacar as pautas, embora reconheça que a atenção da grande mídia é maior quando o assunto é ameaça de greve. “Geralmente a mídia só quer saber se vai ter greve. Então, para atraí-la, a gente faz a matéria: ‘professores podem decretar greve’. Isso chama a atenção. Logo estão ligando e tudo”, reconhece. Mariza faz saber ainda que a receptividade dos veículos online é maior do que a dos impressos.

Em todo caso, a pavimentação do relacionamento com a grande mídia não é plenamente confiável, na medida em que a dependência por anunciantes faz com que se crie um vínculo dos meios de comunicação com quem anuncia, ou com que se espera que se anuncie. Há, ainda, o vínculo político, o qual também passa pela destinação de verbas publicitárias.

“Nós temos uma dificuldade aqui, muito grande, principalmente nosso sindicato que é independente. Os jornais não publicam. Uma entrevista dura 15, 20 minutos e só veiculam três minutos, e não sai o essencial. Mesmo a gente dizendo que a nossa luta não é no campo da política partidária, eles não divulgam. O governo [de Pernambuco] já mandou comunicado para algumas rádios para que a gente não tivesse espaço. E a gente fica obrigado a fazer a comunicação direta com o trabalhador, através de panfleto e através desses atos. Então fica muito difícil, a luta”, desabafa Tiago Oliveira, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Saúde e Seguridade Social do Estado de Pernambuco – SindiSaúde-PE, e analista de saúde do Hospital Getúlio Vargas, da rede pública.

De porte menor, o SindiSaúde-PE não possui jornal impresso, mas mantém um blog na tentativa de tornar mais prática a comunicação com a classe. A maior parte dos textos é escrita pelo próprio dirigente.

Não raro, os meios de comunicação são possuídos por conglomerados industriais, não bastasse o fato da posse do próprio veículo privado atrelar o seu proprietário à classe dos detentores dos meios de produção. Tais constatações reforçam a pertinência de mídias orgânicas às entidades sindicais. Mas a simples boa vontade para criar um jornal classista não é o suficiente.

Periodicidade e distribuição

A falta de continuidade – mesmo em médio prazo – de muitas experiências impressas, descumprimento da periodicidade e deficiências graves na distribuição das publicações (muitos jornais perecem sem chegar às mãos dos possíveis leitores), dentre outros, são alguns dos desafios que esperam respostas do movimento sindical.

O jornal O Corujinha, do sindicato dos professores, por exemplo, propunha-se a ser semestral. No entanto, a primeira edição de 2014 saiu com meses de atraso. As matérias que haviam sido trabalhadas perderam a factualidade e precisaram ser substituídas. Eventos urgentes que merecem divulgação rápida justificam a edição de um boletim diagramado em papel A4, frente e verso, sem qualquer compromisso com periodicidade.

Aqui, também a disseminação dos impressos representa um nó górdio. Não é raro o jornalzinho passar da validade sem ser distribuído. “Teve uma época que até queriam acabar com o jornalzinho. Porque como era muito difícil de chegar ao leitor, era uma ferramenta que não estava funcionando” afirma Mariza Lima. Isso, apesar dos esforços dos 54 diretores da entidade, encarregados de distribuir o impresso nas salas dos professores das instituições de ensino e na frente das escolas. O periódico também é enviado por mala direta e, em versão digital, por email.

No Sinpro, o problema de acesso aos impressos foi remediado pelo uso do Facebook. Através das redes sociais, notícias atualizadas do universo classista passaram a chegar com mais facilidade a um maior número de pessoas, graças às campanhas paras ampliar o número de seguidores da fan Page do sindicato.

No Sindicato dos trabalhadores da construção civil, a distribuição parece não ser um problema. A disseminação dos jornais é feita pelos próprios fiscais-redatores, corpo-a-corpo nos canteiros de obra, em geral no horário do almoço ou do café da manhã e nas visitas de fiscalização.

 

Os problemas não se restringem a periodicidade e distribuição. Muitos sindicatos não conhecem a fundo o leitor o qual espera atingir com as publicações. Informações como a escolaridade do público-alvo ajudariam a determinar o tipo de comunicação que se pode fazer.

Há casos em que as publicações – cheias de textos e poucas imagens – são entregues até mesmo a quem não sabe ler. “No passado a gente encontrava muitos jornais jogados, que não eram lidos. Também tinham muitas pessoas que eram analfabetas. Mas hoje já estão lendo mais, o jornal. Estão guardando”, pondera Cavalcante de Sousa, do A Marreta. Segundo o sindicalista, as manchetes que costumam chamar mais atenção dos operários são aquelas relacionadas à campanha salarial.

Ferramenta

Apesar de alguns avanços técnicos, a disparidade entre o jornalzinho A Marreta e as publicações patronais é notória. A revista O Construtor, editada pelo sindicato patronal da indústria da construção civil em Pernambuco, por exemplo, possui cerca de 24 páginas ricamente ilustradas, com diagramação profissional e impressão de boa qualidade, em papel couchê.

Cavalcante Sousa justifica a inferioridade: “o setor construtor é que detém os lucros. O sindicato sobrevive da taxa sindical e das associações. Também investimos muito no oferecimento de serviços para o trabalhador, como o serviço médico e o serviço jurídico. Hoje a gente tem gasto um valor enorme com o departamento médico. Aí fica difícil concorrer com quem detém os lucros”.

O que não faltam são desafios a serem enfrentados por jornalistas e militantes que insistem em fazer comunicação sindical. Talvez o que os motive seja a certeza de que, em um contexto de disputa de interesses – entre patrões e empregados –, a comunicação permanece como um instrumento indubitavelmente importante na caixa de ferramentas do operário.

 Leitura recomendada

DOMINGUES, P. A nova abolição. São Paulo: Selo Negro, 2008.

Tiago Eloy Zaidan é mestre em Comunicação Social pela Universidade Federal de Pernambuco, coautor do livro Mídia, movimentos sociais e direitos humanos (Organizado por Marco Mondaini, Ed. Universitária da UFPE, 2013) e professor da Unidade Acadêmica de Gestão e Negócios do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba.