Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Jornalismo: novo modelo deixa patrões de pernas pro ar

“Não dá para continuar fazendo jornalismo do mesmo jeito. A decadência dos jornais nos EUA continua sendo um sinal de alerta para o resto do mundo, apesar das peculiaridades únicas daquele mercado. Nos últimos cinco anos, o faturamento de publicidade dos jornais americanos caiu 45% (regressou a níveis de 1983) e a circulação continuou a despencar. As redações dos jornais perderam quase a metade de seus jornalistas e as demissões continuam.”

O alerta é de ninguém menos que o professor e jornalista Rosental Calmon Alves, hoje considerado o maior consultor de mídia do planeta. Criador do primeiro jornal virtual da América Latina, o JB on line, Calmon Aves comanda o Centro Knight, em Austin, Texas – um núcleo catalisador de produção jornalística em todos os continentes. Dentre as atividades de Rosental está o fomento de novas iniciativas no jornalismo, integração de associações e entidades jornalísticas, medição do pulso das novas tendências. As atividades diversificadas de Rosental fazem de sua vida uma itinerância continental: viaja o mundo o tempo todo. Nivela seu destino diariamente com os diretores e proprietários dos maiores jornais dos quatro continentes. Rosental é apontado como o Umberto Eco do século 21.

Ecossistema digital

Os dados fornecidos por Rosental Calmon Alves ao Brasil 247 são no mínimo alarmantes: as vagas de jornalistas eliminadas nos jornais dos EUA desde que o centro de monitoramento Paper Cuts começou a contagem, em 2007, são de 21.008 em quatro anos e meio. O recorde foi em 2008, com 15.992 cortes. O ano de 2011 traz, até junho, 1.133 cortes. “Quadro dramático similar se repete nas redações das emissoras de rádio e TV, que já eram pequenas”, revela Rosental. “A revolução digital impõe mudanças radicais e cria um novo ecossistema de mídia. A lenta ruptura dos modelos de negócio, produção e distribuição do jornalismo continuará impiedosamente. O jornalismo investigativo tem sido a primeira vítima dessa ruptura em muitas redações nos EUA. Já há resultados da mobilização nos EUA para salvar o jornalismo investigativo, por sua importância para a democracia. E vejo terreno fértil para o jornalismo investigativo florescer no novo ecossistema de mídia digital, que enfatiza transparência”, avalia. Para ele, um dos maiores fenômenos da evolução da mídia nos EUA é o jornalismo sem fins de lucro. “Toda essa transição de ecossistemas de mídia precisa desta nova disciplina: jornalismo empreendedor.”

O modelo que se extingue é chamado por Rosental de “ecossistema industrial”, no qual ele aponta as seguintes características: escassez de informação, escassez de canais, altas barreiras de entrada de informação, altos custos de produção, tendência monopolista, comunicação vertical/unidirecional, limitação de tempo/espaço, pacotes fechados/estáticos, emprego de canais monomídia, audiência de massa, audiência passiva, pouco ou nenhum feedback/monólogo, produtor versus consumidor”.

O novo modelo de jornalismo é batizado por Rosental de “ecossistema digital”. No qual ele aponta abundância de informação e de canais, baixas barreiras de entrada de informação, baixos custos de produção, mais concorrência, comunicação horizontal e multidirecional, sem limites de tempo/espaço, fluxos de informação aberta/dinâmica, canais multimídia, audiência diversa/mais nichos, audiência ativa, abundante feedback/conversação, mistura dos papéis de produtor e consumidor, o que nos EUA tem sido chamado de prosumer.

Raros repórteres investigativos

“A revolução digital impõe mudanças estruturais radicais que vão continuar nos próximos anos, décadas. Nunca uma revolução tecnológica afetou o jornalismo tanto e de forma tão abrangente. Já começou a ruptura dos modelos de negócio, de narrativas, de distribuição, de relacionamento com o público e com as fontes etc. As redes sociais mudaram o mundo e são o maior exemplo das mudanças extraordinárias que estão por vir”, vaticina Rosental.

Na onda de demissões e cortes orçamentários, o jornalismo investigativo tem sido a primeira vitima pelo alto custo e “baixa produtividade” (quantidade). Um dado fornecido por Rosental revela a redução de 21% no número de matérias submetidas ao Prêmio Pulitzer na categoria “reportagem investigativa”, ao comparar 1984 e 2010. E 43% de redução na categoria jornalística chamada de “interesse público” no mesmo período. Em 2006, 37% dos 100 maiores jornais não tinham repórteres investigativos: e só 10 tinham quatro.

O jornalismo empreendedor

“Neste mundo baseado em bases de dados, fica mais fácil ter acesso a informações públicas que nutrem reportagens investigativas e antes eram difíceis de obter e interpretar. Emergem formas colaborativas de jornalismo investigativo, desde a cooperação entre organizações jornalísticas que antes não se falavam até a participação do público. Digo que crowdsourcing ganhou lugar no centro do jornalismo, a reportagem investigativa também se beneficia com a sabedoria coletiva que antes não se podia capitalizar. O crowdfunding trouxe alento ao financiar pequenas iniciativas de jornalismo investigativo, sobretudo a nível local ou hiperlocal – o cidadão pode influenciar a pauta jornalística”, avalia Rosental.

Ele sustenta que “nascido (ou renascido) no ecossistema da mídia digital, o novo jornalismo sem fins de lucro é um dos fenômenos mais importante do jornalismo americano hoje em dia. O fenômeno do jornalismo sem fins de lucro não é exclusivo ou limitado aos Estados Unidos, embora as condições lá talvez sejam mais favoráveis que em outras partes”.

Rosental destaca que com fins de lucro ou sem fins de lucro, o futuro do jornalismo (ou jornalista) neste novo ecossistema de mídia passa pelo empreendedorismo. “Uma nova disciplina nas universidades e empresas dos EUA, o jornalismo empreendedor, enfatiza a inovação, a invenção, a descoberta de novos modelos sustentáveis para a produção jornalística.”

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[Claudio Julio Tognolli é jornalista]