Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Jornalismo sem jornalistas





A propagação das chamadas mídias sociais – com
suas redes de blogs e microblogs difundindo informações em ritmo alucinante –
levanta a discussão sobre o papel do jornalista na sociedade contemporânea. Se o
cidadão comum pode publicar notícias na internet e este conteúdo ser acessado em
qualquer parte do planeta instantaneamente, a função da profissão jornalística
pode ser contestada? O jornalismo será feito sem jornalistas? A sociedade irá
abrir mão da contextualização dos dados exercida pelos profissionais de
imprensa? Quem irá desempenhar


as funções de
intermediação e de análise ocupadas pelos jornalistas há mais de 400 anos? O
Observatório da Imprensa exibido ao vivo na terça-feira (14/7) pela TV
Brasil analisou o impacto dessas transformações no mundo virtual e na mídia
tradicional.

Alberto Dines recebeu três convidados no estúdio do Rio de Janeiro. Carlos
Castilho é jornalista com 40 anos de experiência em jornais, revistas, rádio,
televisão e internet. Mantém o blog ‘Código
Aberto
‘ no site do Observatório da Imprensa, é professor de jornalismo
online e cultura digital e cursa doutorado na Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC). Sérgio Abranches, doutor em Ciência Política pela Universidade
de Cornell, é pesquisador independente sobre ecopolítica e cofundador do site
O Eco‘,
de notícias sobre meio ambiente. É comentarista da rádio CBN, onde mantém um
boletim diário. Gabriela da Silva Zago é jornalista, advogada, mestranda em
Comunicação e Informação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRG) e
pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Interação Mediada por Computador.


Antes do debate no estúdio, na coluna ‘A Mídia na Semana’, Dines analisou a
cobertura da imprensa sobre a ameaça do desconhecido pastor norte-americano
Terry Jones de queimar exemplares do Alcorão, o livro sagrado do islamismo, para
marcar o aniversário dos atentados terroristas de 11/09/2001 nos Estados Unidos.
Em seguida, falou sobre a entrevista do ex-ditador cubano Fidel Castro publicada
pela revista The Atlantic Magazine (08/09), e comentou as denúncias de
espionagem envolvendo integrantes do governo de dois países europeus: o
secretário de imprensa do premiê britânico David Cameron e o presidente da
França, Nicolas Sarkozy.


O novo papel do jornalista


Em editorial, Dines comentou que o conteúdo enviado por cidadãos é uma
matéria-prima que pode ser tornar um ingrediente essencial da imprensa, desde
que seja trabalhado por profissionais de veículos de comunicação. ‘Quando o site
americano Wikileaks divulgou os milhares de documentos secretos sobre operações
militares no Iraque e Afeganistão e, ao mesmo tempo, negava que fosse uma
organização jornalística, estabeleceu-se nova e fascinante discussão: qualquer
informação é uma informação jornalística?’, questionou. Outro ponto levantado no
editorial foi o voto do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar
Mendes, no julgamento da extinção da exigência do diploma em Jornalismo para o
exercício da profissão (17/06/2009). Dines classificou a posição do ministro
como ‘grotesca’ ao comparar jornalistas a mestres de cozinha.


A reportagem exibida pelo programa mostrou diferentes opiniões. Claudio Weber
Abramo, diretor-executivo da ONG Transparência Brasil, acredita que a internet
torna a busca por informação mais rica, mas ponderou que na maioria das vezes
não há critério no recolhimento dos dados. Empresas jornalísticas e organizações
não-governamentais que coletem informações sistematicamente de forma rigorosa,
na visão de Abramo, podem ajudar o público a se informar. ‘Não adianta ficar
circulando por aí por milhões de lugares na internet para colher informações,
porque em geral só vai encontrar é lixo’, advertiu.


Adriana Vasconcelos, repórter do jornal O Globo baseada em Brasília,
analisou o poder das mídias sociais no cenário político eleitoral. ‘O candidato
percebeu que com o Twitter ele teria o poder de ele próprio divulgar a
informação sem nenhum intermediário, que no caso é o jornalista. O caminho da
notícia era tradicionalmente a fonte, o jornalista e a divulgação através de um
jornal, uma tevê, uma rádio e até da internet. Com o Twitter, o político começou
a gostar de dar a notícia em primeira mão, tanto que alguns furos são dados pelo
Twitter’, explicou.


Limites e fronteiras pós internet


Para o jornalista Matinas Suzuki, em tese não pode haver limite para a
investigação jornalística, mas é preciso respeitar o limite ético da atividade.
‘Tem o limite do contexto, o limite da ética, e você tem que ponderar entre
estes dois momentos’, sublinhou. Matinas avalia que o crescimento dos blogs
deixou mais imprecisa a fronteira entre o que é uma notícia claramente produzida
por jornalistas e uma informação dada pelo cidadão comum. ‘Nós não temos ainda,
por ser uma atividade nova, um consenso para essa mudança. Mas acho que temos
que olhar esta nova possibilidade sem condená-la de antemão’, disse.


Uma pesquisa realizada em 2008 com 100 jornalistas em diversas capitais
apontou que cerca de 80% deles já usavam blogs como fontes de informação. Carina
Almeida, sócia-diretora da empresa que realizou o estudo, ressaltou que a
internet está mexendo em todos os negócios do mundo e não vai ser diferente na
área da Comunicação. ‘Se está mexendo com a Comunicação está mexendo na nossa
profissão de jornalista, no nosso negócio do outro lado do balcão, das
assessorias, das agências. Eu acredito que o papel do jornalista vai mudar
porque hoje há mais pontos de vista. É mais democrático hoje o acesso à
informação’, disse. Carina ponderou ainda que o cidadão continuará precisando de
‘um norte, de uma avaliação’ que só o jornalista poderá fazer, sobretudo devido
à grande quantidade de informação postada na internet.


O escritor Braulio Tavares ressaltou que a informação está sendo recebida e
distribuída de forma mais democrática. ‘Isto de certa forma está tirando um
pouco o papel importante que os jornais, rádios, e televisões tiveram ao longo
da nossa vida’, avaliou. O Tavares vê como positiva esta pulverização: ‘A
informação se produz e se propaga de uma maneira quase indisciplinada. Mas nós
estamos entrando em uma época de maior liberdade, de maior acesso à informação
para os leitores, e há a possibilidade de que os leitores se transformem em
escritores de informação também’.


Questão ética


Para Suzana Blass, presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do
Município do Rio de Janeiro, as mídias sociais têm hoje um importante papel. São
ferramentas de divulgação da informação, mas não têm um compromisso
jornalístico. ‘O ofício do jornalismo, a função do jornalista, é muito mais do
que divulgar uma informação ou comunicar alguma coisa que acontece ao seu lado
ou no seu ambiente. É uma questão muito mais ampla. Quando a gente fala em
jornalismo, está falando em contextualização de fato, está falando em você ver
em que implica aquilo que você está cobrindo, quais as conseqüências. Há uma
série de regras que o ofício de jornalista carrega’, destacou.


O Observatório mostrou a história do estudante Rene Silva dos Santos,
um exemplo de como o jornalismo está sendo produzido sem jornalistas formados,
principalmente em locais onde a mídia tradicional não tem penetração. Aos 11
anos, Rene montou um pequeno jornal com notícias sobre o Complexo do Alemão,
onde vive, um dos locais mais violentos do Rio de Janeiro. ‘Eu moro na
comunidade, eu sei a rotina do que acontece todos os dias. Não tem como eu falar
uma coisa que não é real. A imprensa vai lá, fica uma hora e saem. E continuo 24
horas dentro da comunidade’, explicou Rene. Cinco anos depois, o jornal A Voz
da Comunidade
cresceu, conta com 16 páginas, circula de 2 mil exemplares por
mês e tem uma extensa lista de anunciantes do comércio local.


No debate no estúdio, Dines relembrou como mostrava aos seus alunos do curso
de Jornalismo da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) a
diferença entre o dado bruto e a informação contextualizada e checada: levava um
catálogo telefônico para a primeira aula. ‘Eu dizia assim: ‘o que é isto? Isto é
um acervo formidável de nomes e números supostamente corretos, mas isto são
dados’. Aí eu puxava a edição do Jornal do Brasil do dia e perguntava: ‘o
que é isto? Isto são informações jornalísticas’’, lembrou.


Ofício em permanente mutação


Para Carlos Castilho, é preciso observar as transformações pelas quais a
atividade jornalística vem passando em decorrência do crescimento da internet.
Não é possível um jornalismo sem jornalistas, mas a função deste profissional
hoje é diferente. ‘Antes, o jornalista tinha o controle total do processo da
informação. Hoje ele não tem mais. O fato de não ter mais o controle total o
coloca em uma situação absolutamente nova, o que obriga o jornalista a ter que
conviver com esta multiplicação de fontes de informação que se materializa no
fenômeno dos blogs e mais ainda no fenômeno do twitter’, afirmou.


A internet, na avaliação do jornalista, produz uma avalanche de dados, mas
não necessariamente de informações contextualizadas. Castilho disse que o
jornalista é ‘o sujeito que profissionalmente sabe tratar a informação’,
enquanto as redes socais oferecem matéria-prima bruta. Gabriela Zago, autora de
uma pesquisa sobre a informação nas mídias sociais, disse que nessas redes os
dados são rasos, não são submetidos a critérios jornalísticos e há um grande
número de notícias falsas em circulação. ‘A informação que circula nas redes
sociais ainda precisa ser transformada para poder gerar conhecimento. É um dado
que será transformado em uma informação jornalística’, disse.


Sérgio Abranches avaliou que a internet é uma plataforma útil e citou como
exemplo a cobertura da Conferência de Copenhagen sobre o clima. ‘O twitter era
usado por jornalistas, militantes ambientalistas e por dirigentes políticos. Os
dirigentes substituíram a coletiva para a imprensa pelo twitter. Estavam no meio
de uma negociação tensa, queriam influenciar e tuitavam o que estava se passando
naquelas reuniões fechadas às quais os jornalistas não tinham acesso. Os
ambientalistas faziam pressão e os jornalistas colocavam no twitter tudo o que
eles sabiam que iria perecer.’ Para Abranches, o ofício de jornalista continua
sendo útil, principalmente para checar a grande quantidade de informações falsas
e rumores que circulam na rede.


***


O exercício do jornalismo


Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na
TV nº 563, no ar em 14/9/2010


Bem vindos ao Observatório da Imprensa.


A imprensa deve gerar debates sobre todos os temas que noticia, é a sua
obrigação funcional, pública. Mas hoje a imprensa e o jornalismo converteram-se
eles mesmos em foco de grandes controvérsias. É ruim? Ao contrário, é
extremamente salutar.


Quando o site americano Wikileaks divulgou os milhares de documentos secretos
sobre operações militares no Iraque e Afeganistão e, ao mesmo tempo, negava que
fosse uma organização jornalística, estabeleceu-se nova e fascinante discussão:
qualquer informação é uma informação jornalística? Em outras palavras: é
possível fazer jornalismo sem jornalistas?


Os cidadãos que mandam fotos, vídeos e informações sobre fatos que
testemunharam também não são jornalistas, mas esse material devidamente
trabalhado por profissionais torna-se um ingrediente essencial da imprensa.


Significa que a indústria jornalística, como todas as demais indústrias,
precisa de matéria-prima, ferramentas e trabalhadores especializados, mas só o
produto final, acabado, pode ser considerado jornalismo.


A internet e depois as redes sociais esquentaram a discussão. Mas também a
mídia tradicional envolveu-se na questão. Exemplo: quando uma emissora de TV
convoca uma atriz para apresentar um programa jornalístico não está engrossando
o coro dos que acreditam que o exercício do jornalismo não requer jornalistas
para o seu exercício?


Uma contribuição decisiva a esta doutrina foi oferecida no ano passado pelo
ministro do STF Gilmar Mendes, ao estabelecer a grotesca comparação entre
jornalistas e mestres de cozinha. Segundo ele, não são profissões, são
atividades que podem ser exercidas por qualquer um com um pouco de prática.


Este é um bom debate, sobretudo em temporadas eleitorais.


***


A mídia na semana


** O retorno do comandante Fidel Castro não poderia ser mais surpreendente:
ele venceu a morte, está cheio de vida, brincalhão e deu uma entrevista à
revista americana The Atlantic que já produziu algumas manchetes e
certamente provocará muitas outras. Reconhecer que o modelo econômico cubano
está superado não é novidade, mas o puxão de orelhas que deu no presidente
iraniano Ahmadinejad poderá mudar muita coisa no Oriente Médio. O antigo radical
voltou em grande estilo – como um conciliador.


** A histeria da ultradireita americana não tem limites e encontrou nas redes
sociais o veículo ideal para vazar o seu ressentimento: um desconhecido pastor
da Flórida ameaçou queimar exemplares do Alcorão no nono aniversário do ataque
terrorista de Bin Laden às Torres Gêmeas. A notícia espalhou-se rapidamente pelo
mundo islâmico e não fosse a pronta intervenção do presidente Obama, dos seus
chefes militares, do papa e líderes políticos do mundo inteiro, a loucura do
pastor Terry Jones poderia ter provocado uma guerra santa mundial.


** A arapongagem globalizou-se: o secretário de imprensa do premiê britânico
David Cameron foi denunciado pela imprensa porque quando dirigia um jornal
sensacionalista mandou grampear os telefones de dezenas de pessoas, inclusive da
casa real. O primeiro ministro acusou a imprensa de politizar um episódio
acontecido há três anos. Em pior situação está o presidente da França Sarkozy,
que está sendo pessoalmente acusado pelo prestigioso Le Monde de mandar
espionar os jornalistas que investigavam as denúncias de que recebera doações
ilegais da bilionária Liliane Bettencourt para sua eleição. Berlusconi já fazia
isso há muito tempo.

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