Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Jornalismo, um cadáver que faz rir

O jornalismo, “em sua nobre arte de informar, de defender os interesses da elite dominante e errar a previsão do tempo”, continua fazendo sentido na contemporaneidade? “O jornalismo morreu ou só assinou contrato com a Record”? É com esta espécie de metralhadora giratória frente à qualidade do jornalismo brasileiro que inicia o primeiro episódio do Foca News no FX, canal da Fox, trazendo à televisão um programa bastante popular no YouTube (lá, Foca News já reúne mais de 50 episódios no canal Amada Foca).

Divulgação

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O programa – produzido por diretores que eram responsáveis pelas atrações de Marcelo Adnet na MTV – reúne algumas caras bastante conhecidas do mundo online e televisivo (como o versátil Bruno Sutter, muito lembrado por Hermes e Renato). Temos em Foca News mais um caso da migração de um programa nascido nessa “terra de ninguém” chamada internet para um veículo de maior responsabilidade, atrelado a maiores interesses comerciais e à comunicação com um público mais amplo. Parece ser uma tendência atual: esta “sedução” do grande veículo também chegou a Fabio Porchat, um dos cabeças de Porta dos Fundos, que deverá estrear um programa na Record.

No primeiro episódio, Foca News parece fazer esta transição com sucesso. A adaga continua afiada e, ao invés de apontar a temas específicos (como maconha, machismo, legado da Copa), o episódio de estreia tem como o alvo o próprio jornalismo – hilariamente chamado de “um morto muito louco”. Se rir da crise do jornalismo não é exatamente uma novidade, pelo menos algumas piadas são bem perspicazes. As emissoras não são poupadas, sendo citadas direta ou indiretamente.

O programa continua trazendo como marca estilística o formato evidentemente mal feito, tirando humor no reconhecimento das montagens grosseiras e bastante sensacionalistas (basta ver, por exemplo, um dos vídeos do canal Amada Foca em que o “colunista” gourmet Escroto Gomes contracena com os jurados de MasterChef Brasil).  Há um certo parentesco desta estética algo grotesca com programas clássicos do humor adolescente, como no próprio Hermes e Renato e em Pânico na Band. O escracho traz um tom subversivo de Foca News e fortalece a comunicação com o público jovem.

A crítica trazida por Foca News mira na ênfase das notícias da vida particular de celebridades (sobre as matérias estilo “Chico Buarque estaciona no Leblon”), ao uso exagerado de conteúdos da internet pelos telejornais e à informalidade forçada dos apresentadores. Em certo momento, o apresentador Daniel Furlan, cuja performance remete algo à agressividade familiar de Alborghetti, pergunta sobre qual a melhor maneira de modernizar um telejornal diante dos avanços da internet “para conservar os poucos velhos confusos que ainda o assistem”.

A resposta é mordaz e tem alvo claro: basta utilizar pessoas segurando iPads e se chamando por apelidos – remetendo claramente aos efeitos de tal “modernidade” no maior dos telejornais brasileiros. Aos que duvidam deste novo estilo, basta lembrar que recentemente William Bonner riu de uma troca de letras ao se dirigir à repórter Maria Julia Coutinho, imitando o Cebolinha da Turma da Mônica. Conforme já analisado nesta coluna, Foca News só confirma que há tempos o jornalismo perdeu a gravata – e não apenas no sentido literal.

Se o jornalismo é um cadáver que nos faz rir, não deveríamos estranhar o quanto achamos graça nesta risada coletiva acerca de um ofício tão central ao exercício da democracia.

As críticas sobram para a tendência em tornar toda a programação em “conteúdo jovem”, criando hashtags para tudo, além de ironizar os próprios críticos de televisão, apontados como mau humorados e intelectualóides. A paulada mira também a lógica circular do jornalismo, que ironiza as “coberturas sobre coberturas jornalísticas”, de alguma forma denunciando uma certa idealização da profissão – talvez tendo como alvo, por exemplo, programas com tom metalinguístico como Profissão Repórter.

Se o jornalismo é um cadáver que nos faz rir (parafraseando o clássico slogan do fotógrafo Oliviero Toscani, referindo-se então à publicidade como um “cadáver que sorri”), não deveríamos estranhar o quanto achamos graça nesta risada coletiva acerca de um ofício tão central ao exercício da democracia. O sucesso do site Sensacionalista é apenas um exemplo a reiterar porque o formato explorado por Foca News tem forte efeito cômico: sendo o jornalismo algo que todos acreditamos dominar, o riso acerca de sua crise é, de alguma forma, uma maneira de nos sentirmos mais inteligentes, antenados. Só ri do Foca News e do Sensacionalista quem capta a notícia original da qual eles tiram sarro.

Sobra ainda para William Waack, comparado a um cadáver, e uma montagem tosca bem engraçada de Geraldo Alckmin como Rambo, defendendo que as balas de borrachas não sejam usadas contra jornalistas, pois são reservadas apenas a estudantes. Mas as melhores piadas do episódio estão certamente no comentário ácido sobre o futuro do jornal impresso.

Num hilário merchandising, uma moça apresenta um produto inovador, chamado jornal. Serve para ler notícias?, questiona o apresentador. Com aquele ar irritantemente empolgado destas moças vendedoras de TV, ela responde: “claro que não, Dani. Jornal serve para matar moscas, acender churrasqueiras e até mesmo para depositar as fezes de seu cachorrinho”. O apresentador, sorridente, arremata: “Jornal serve também para cobrir morador de rua que era jornalista?”. Seria cômico se não fosse trágico. Se não há exatamente novidade em rir deste morto muito louco, pelo menos as piadas são bem engraçadas.

 

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Maura Oliveira Martins é  jornalista, professora universitária e editora do site  A Escotilha